sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

O PS escolhe ser irrelevante

Bruno Farias Lopes
O PS é hoje um partido largamente irrelevante – mas não pelas razões frequentemente apontadas. O PS não é irrelevante porque é impossível fazer oposição tendo pedido, negociado e assinado o Memorando da troika. O PS não é irrelevante porque o governo tem maioria absoluta. O PS é irrelevante essencialmente por opção. Quando o maior partido da oposição escolhe este caminho num momento crucial para o país torna relevante a sua irrelevância.
António José Seguro, foto: Miguel A. Lopes/Lusa
As pessoas do PS têm condições para ser “oposição responsável”, desde que estejam dispostas a admitir um facto: foi um governo socialista, já em versão zombie, a negociar e a assinar um acordo com a troika. Não se pede ao PS que exulte com o Memorando, como parece ser o caso de alguns membros do governo. O que se pede é um reconhecimento da realidade recente.
O problema é que o PS – o da liderança de António José Seguro e o outro, da facção rebelde socrática que se senta no parlamento – não se quer lembrar do passado recente.
O PS de Seguro tem consciência do beco em que o país se enfiou, o que é um dado positivo e novo no PS, mas parece submeter qualquer tentativa de fazer oposição útil a essa tomada de consciência. A lengalenga da “paixão do governo pela austeridade” e do “é preciso mais crescimento” é a melhor forma que o líder do PS encontra de disfarçar em público o facto de em privado ser uma muleta acrítica do governo.
Já o outro PS, o grupo de rebeldes socráticos, prefere adoptar uma leitura estranhamente restritiva do Memorando. Para esta facção, quando o PS aprovou o Memorando assinou apenas aquele conjunto específico de medidas publicadas em Maio de 2011. É preciso fazer mais porque há derrapagens e surpresas? Não pode ser, eles não assinaram isso. É preciso mais porque há que dissipar dúvidas e mostrar que já que estamos neste barco a coisa é mesmo para cumprir? Não pode ser, eles não assinaram a favor disso. O problema desta posição é que o PS assinou um programa para cumprir objectivos – são as metas que contam e não um conjunto de medidas avulsas.

Estamos, então, perante um PS balcanizado, que ora deixa passar tudo ora critica ferozmente tudo, sempre sem fazer verdadeira oposição. E não era impossível fazer oposição.
O PS poderia funcionar como fiscalizador da forma como o governo cumpre a missão. Cumprir o Memorando não significa atirar uma manta para cima de todas as medidas com o rótulo da inevitabilidade. Mesmo dentro da margem escassa que o documento oferece há a possibilidade de fazer escolhas: como distribuir melhor a austeridade (dois terços sobre as famílias é justo?), como gerir da forma menos danosa os cortes na máquina pública (coutada socialista na qual o PSD precisa de bússola), onde traçar a linha de cortes na saúde e na educação. O PS poderia zelar pela desprotecção de negócios amigos do poder, pelo cumprimento da adiada renegociação dos contratos das PPP.
O PS poderia fazer isto e mais, mas não quer – e, sejamos justos, não pode. Afinal parte deste PS foi o mesmo que andou a alimentar laços pouco saudáveis com negócios privados. A outra parte talvez não saiba fazer melhor.
Pode argumentar-se que alternativas viáveis e oposição responsável cairiam em saco roto – que o governo não ouve, que é demasiado cedo para o PS se reorganizar depois da era socrática. É verdade. Mas este PS não dá qualquer sinal de estar a caminhar para algum lado. Isto é um problema porque o partido se demite do país, a primeira vez que tal acontece num momento decisivo para Portugal. E é um problema porque o PS pode vir a ser parte de um governo alargado, de emergência. Reconstruindo-se como alternativa credível poderia ser relevante num cenário de grande instabilidade – assim, valerá menos que as cadeiras que ocupa no parlamento.
Título e Texto: Bruno Farias Lopes, jornal “i”, 03-02-2012

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