domingo, 19 de fevereiro de 2012

Estado Social: O custo do verdadeiro egoísmo


Estado Social. Imagem: DR
André Abrantes Amaral
Ao adiar a mudança do que estava errado, fomos colectivamente egoístas e nunca chegámos a ser individualmente generosos
O fim da tolerância de ponto para os funcionários públicos, na terça-feira de Carnaval, é apenas mais um passo na mudança a que estamos a assistir. As críticas são imensas, e muitas mais ouviremos nos próximos anos. Uma coisa é certa: virão maioritariamente dos que perdem privilégios. Dos que têm regalias sem qualquer contrapartida. Sem nada que as compense ou sequer as justifique. Não deixa de ser interessante que se lamente tanto o fim dos feriados e tão pouco o mais de um milhão de pessoas que não têm trabalho. Qualquer sociedade com o mínimo de sensibilidade sentiria vergonha. Mas aquela em que grande parte dos seus membros é apaparicada pelo Estado em troca de votos, em que tantos escolheram um emprego com o único critério de ser para sempre, é uma sociedade que não guarda nada para o outro. Uma sociedade onde o jargão socialista da solidariedade social é encarado como algo suave, indolor e brando. Algo que não afecta a pessoa que partilha, pois transferiu essa aptidão para uma entidade intangível e inatingível. Um Estado que, por ser responsável por todos, pouco liga ao indivíduo. Pouco faz por quem precisa.
O egoísmo prega-nos a partida de ter dois sentidos, consoante a perspectiva em que encaramos o problema. Não serão hoje egoístas os que se queixam do fim de alguns feriados quando tantos não têm trabalho? Não será egoísmo que metade do país tenha emprego garantido no Estado, no Estado que vive dos impostos que pagamos e da dívida que contrai lá fora e nos onera a todos, enquanto a outra metade receia perder o trabalho? Se discuta o fim dos subsídios de férias e de Natal na função pública e não se refiram os que já há tanto tempo não o recebem? Aqueles a quem a crise não chegou em 2012, mas antes, quando os primeiros avisos de que algo não ia bem, não quiseram ser ouvidos pelo governo e pelo eleitorado.

O Estado social foi criado sobre a premissa de ajudar quem precisa. Mas o que faz ele agora? Vive à custa de quem trabalha. E o mais grave é que não só se transformou numa máquina que sustenta quem a ele pertence e explora os que de fora entregam a dízima, como já nem é social. Desvirtuou-se. Foi muito além do objectivo salutar que é ajudar os mais desfavorecidos e transformou-se num monstro burocrático que nos consome. Estamos cada dia que passa mais pobres, porque considerámos egoísta qualquer crítica ao Estado social. Como uma apreciação baseada em princípios interesseiros, algo que não podíamos aceitar porque feria a nossa boa consciência. Afinal a boa consciência que escondia uma forma de egoísmo. A boa consciência de quem vivia bem num sistema que se esperava durasse para sempre.
Não durou. Como nada dura, e acaba quando menos se espera. E agora que acabou podemos pensar em termos que até há pouco julgámos impróprios. Podemos construir um Estado mais justo, que não viva à custa da habilidade dos cidadãos, deixe de ter empresas, faça menos negócios e se concentre no cumprimento do que devem ser as suas funções essenciais e de soberania. O problema de termos adiado este repensar do que o Estado dever ser é que hoje vivemos tempos de emergência. Que serão de calamidade quando na Primavera a Grécia sair do euro. Não haverá tempo para edificar o que quer que seja, mas apenas para sobrevivermos. O cada um por si vai doer. O desespero e a angústia leva as maiorias a preferir a ordem à justiça. A preferir o previsível ao imprevisto. A Grécia pode cair nas mãos da extrema-esquerda nas eleições de Abril. O que suceder a partir daí é uma incógnita. O egoísmo comodista deu nisto: uma colossal incerteza. Em 1989, tinha eu 16 anos, disse-me o professor Agostinho da Silva, sobre a dívida que havia no mundo e quem a ia pagar, que o barco ia abanar e o importante era não enjoar a bordo. Agarremo-nos então todos e fixemos bem os olhos no horizonte.
Título e Texto: André Abrantes Amaral, Advogado, jornal “i”, 19-02-2012
Edição: JP

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