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Estado Social. Imagem: DR |
André Abrantes Amaral
Ao adiar a mudança do que
estava errado, fomos colectivamente egoístas e nunca chegámos a ser
individualmente generosos
O fim da tolerância de ponto
para os funcionários públicos, na terça-feira de Carnaval, é apenas mais um
passo na mudança a que estamos a assistir. As críticas são imensas, e muitas
mais ouviremos nos próximos anos. Uma coisa é certa: virão maioritariamente dos
que perdem privilégios. Dos que têm regalias sem qualquer contrapartida. Sem
nada que as compense ou sequer as justifique. Não deixa de ser interessante que
se lamente tanto o fim dos feriados e tão pouco o mais de um milhão de pessoas
que não têm trabalho. Qualquer sociedade com o mínimo de sensibilidade sentiria
vergonha. Mas aquela em que grande parte dos seus membros é apaparicada pelo
Estado em troca de votos, em que tantos escolheram um emprego com o único
critério de ser para sempre, é uma sociedade que não guarda nada para o outro.
Uma sociedade onde o jargão socialista da solidariedade social é encarado como
algo suave, indolor e brando. Algo que não afecta a pessoa que partilha, pois
transferiu essa aptidão para uma entidade intangível e inatingível. Um Estado
que, por ser responsável por todos, pouco liga ao indivíduo. Pouco faz por quem
precisa.
O egoísmo prega-nos a partida
de ter dois sentidos, consoante a perspectiva em que encaramos o problema. Não
serão hoje egoístas os que se queixam do fim de alguns feriados quando tantos
não têm trabalho? Não será egoísmo que metade do país tenha emprego garantido
no Estado, no Estado que vive dos impostos que pagamos e da dívida que contrai
lá fora e nos onera a todos, enquanto a outra metade receia perder o trabalho?
Se discuta o fim dos subsídios de férias e de Natal na função pública e não se
refiram os que já há tanto tempo não o recebem? Aqueles a quem a crise não
chegou em 2012, mas antes, quando os primeiros avisos de que algo não ia bem,
não quiseram ser ouvidos pelo governo e pelo eleitorado.
O Estado social foi criado
sobre a premissa de ajudar quem precisa. Mas o que faz ele agora? Vive à custa
de quem trabalha. E o mais grave é que não só se transformou numa máquina que
sustenta quem a ele pertence e explora os que de fora entregam a dízima, como
já nem é social. Desvirtuou-se. Foi muito além do objectivo salutar que é
ajudar os mais desfavorecidos e transformou-se num monstro burocrático que nos
consome. Estamos cada dia que passa mais pobres, porque considerámos egoísta
qualquer crítica ao Estado social. Como uma apreciação baseada em princípios
interesseiros, algo que não podíamos aceitar porque feria a nossa boa
consciência. Afinal a boa consciência que escondia uma forma de egoísmo. A boa
consciência de quem vivia bem num sistema que se esperava durasse para sempre.
Não durou. Como nada dura, e
acaba quando menos se espera. E agora que acabou podemos pensar em termos que
até há pouco julgámos impróprios. Podemos construir um Estado mais justo, que
não viva à custa da habilidade dos cidadãos, deixe de ter empresas, faça menos
negócios e se concentre no cumprimento do que devem ser as suas funções
essenciais e de soberania. O problema de termos adiado este repensar do que o
Estado dever ser é que hoje vivemos tempos de emergência. Que serão de
calamidade quando na Primavera a Grécia sair do euro. Não haverá tempo para
edificar o que quer que seja, mas apenas para sobrevivermos. O cada um por si
vai doer. O desespero e a angústia leva as maiorias a preferir a ordem à
justiça. A preferir o previsível ao imprevisto. A Grécia pode cair nas mãos da
extrema-esquerda nas eleições de Abril. O que suceder a partir daí é uma
incógnita. O egoísmo comodista deu nisto: uma colossal incerteza. Em 1989,
tinha eu 16 anos, disse-me o professor Agostinho da Silva, sobre a dívida que
havia no mundo e quem a ia pagar, que o barco ia abanar e o importante era não
enjoar a bordo. Agarremo-nos então todos e fixemos bem os olhos no horizonte.
Título e Texto: André Abrantes
Amaral, Advogado, jornal “i”, 19-02-2012
Edição: JP
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