terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

O filme mafioso do interesse nacional

Sacaram dinheiro para negócios de casino e andam sempre com a pátria na boca

Foto: Leandro AC
 António Ribeiro Ferreira
O Inferno, e Portugal, está cheio de gente bem intencionada cheia de ideias perfeitas na cabecinha. Do mal o menos. O pior é o resto, e neste país com 37 anos de democracia o resto é sempre um bico de obra difícil de ultrapassar. Já não vale a pena falar das famosíssimas e muito antigas reformas estruturais que andam sempre de boca em boca, de sociais-democratas para socialistas e de socialistas para sociais-democratas, com os populares no meio a apoiar umas e outras.
Já não vale a pena falar da reforma do sistema político, objecto de muitas propostas, muitos consensos, muitos estudos e imensos diagnósticos, que está na agenda dos dois principais partidos há pelo menos 13 anos. Na hora da verdade, da decisão, a porca torce sempre o rabo e os argumentos já são conhecidos previamente.
A nova divisão de círculos eleitorais e os esperados círculos uninominais ora favorecem o PSD ora o PS e portanto o melhor é deixar tudo como está. Importa, evidentemente, registar que esta famosa reforma nunca irá para a frente pela simples razão de os aparelhos partidários, velhos, desgastados, corruptos, clientelares, fechados, máquinas de emprego público e de muita cacicagem, não quererem assinar a sua sentença de morte. Obviamente. E já não vale a pena falar na célebre reforma da justiça, que merece honras, de quando em vez, de uns estrondosos pactos entre os dois pilares da democracia, com juras solenes e muitos apertos de mão que resultaram sempre em mexidas cirúrgicas nos códigos e diplomas para proteger os amigos das tímidas investidas do atarantado e tantas vezes submisso Ministério Público.

É por isso que vale a pena falar do desabafo do primeiro-ministro no último debate quinzenal no parlamento. Passos Coelho falou na economia privilegiada, que protegeu alguns grupos económicos e não democratizou o acesso à economia. As palavras do chefe do governo não mereceram um debate por aí além, melhor dizendo, ninguém falou no assunto e percebe-se bem porquê. O Partido Socialista não está interessado em promover nenhuma comissão de inquérito parlamentar sobre os negócios patrocinados pelos governos de Sócrates, que favoreceram grupos económicos determinados, e muito menos quer tocar na forma como a Caixa Geral de Depósitos decidiu o destino de muitos milhões que deviam, obviamente, estar disponíveis para quem produz, para quem exporta e não para jogadores de casino que fizeram fortunas à sombra do Estado e dos poderes políticos democráticos. E se os justiceiros do costume também não gostam de entrar por esses caminhos obscuros que têm origem na presença perversa do Estado na economia, é bom que sejam o governo e Passos Coelho a tentar desmontar o polvo que continua vivo e de razoável saúde no mundo dos negócios. É natural que o primeiro-ministro encontre resistências enormes no interior do seu próprio partido, que seja metido em muitas armadilhas, mas já é um sinal positivo ver que a CGD não deu ouvidos ao empresário Manuel Fino, que invocou o interesse nacional para não pagar os milhões que deve e ainda ficar com 9,6% da Cimpor. É um bom sinal. Mas uma andorinha, como se sabe, não faz a Primavera. E o que não falta por aí são passarões.
Título e Texto: António Ribeiro Ferreira, jornal “i”, 21-02-2012

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