Rodrigo Constantino
O ano é 2030, e o novo
presidente do Gabão veio ao Brasil aprender com o PT como ficar 27 anos no
poder. Sabendo que as prisões andavam abarrotadas de gente, e que este era um
dos grandes segredos do governo, qual seja, manter a população refém de leis arbitrárias,
o presidente decidiu fazer uma visita ao presídio de Bangu, um dos mais
famosos. Acompanhando o presidente, o Ministro da Justiça, Cesare Battisti, ia
explicando cada caso dos prisioneiros:
– Aquele senhor foi preso
porque deu uma palmada no filho. Parece que o garoto se recusou a estudar,
xingou a mãe e bateu no irmão mais novo. O pai, um selvagem, em vez de
conversar com o filho e lhe dar uma educação mais livre, deixando o pobrezinho
se expressar nos moldes ensinados pela cartilha do governo, apelou para a
violência física e deu uma palmada no garoto. Por sorte uma testemunha viu e
denunciou o bandido. Pegou dez anos.
– Aquele outro ali tem
concessão para um canal de TV por assinatura, mas se recusou a cumprir a cota
estabelecida de 90% de conteúdo nacional e sócio-educativo. Resolveu, em vez
disso, passar em horário nobre um enlatado de Hollywood, louvando as conquistas
do imperialismo estadunidense. Os nossos ilustres burocratas da Ancine, muito
atentos, detectaram o crime no ato, e minutos depois o empresário estava atrás
das grades. Doze anos de xilindró para valorizar o interesse nacional.
– O que está no canto,
cabisbaixo, foi preso em flagrante pelos nossos Agentes da Saúde, tentando
comprar uma aspirina sem receita médica na farmácia. Ele alegou que sofria de
fortes dores de cabeça, mas não tinha dinheiro para ir ao médico. Como se isso
fosse justificativa para cometer um crime! Pegou cinco anos.
– O ruivo alto do canto
direito foi pego em nossa famosa Lei Seca, que há décadas vem salvando vidas
(ano passado, por exemplo, morreram somente 80 mil pessoas em acidentes de
carro). Ele disse que tomou apenas uma taça de vinho, informação que batia com
o teor etílico do bafômetro. Por este crime, ficaria preso só dois anos. Mas
resolveu gritar com o policial, e por desacato pegou outros dois anos.
– Aquele branquelo da esquerda
foi enquadrado na lei contra o racismo. Foi surpreendido por um de nossos
agentes à paisana contando piada de negro em plena praça pública! Tentou
argumentar que era apenas uma piada, que na roda tinha até um amigo negro que
também ria da piada, mas claro que nada disso serviu para livrar a cara do
racista safado. Sabemos como uma piada pode ser subversiva e espalhar o ódio
racista de forma sub-reptícia. São sete anos para o branco azedo!
– O malandro deitado ali foi
preso por calúnia, difamação e atentado contra a ordem pública. Escreveu uma
coluna para aquele jornal de oposição acusando nosso governo de viés
autoritário. Os juízes aproveitaram para condenar os donos do jornal também,
que terão de pagar uma multa de cem milhões. O articulista vai ver o sol nascer
quadrado por oito anos, para aprender a não inventar coisas absurdas.
– Está vendo aquele obeso
jogado ali no canto esquerdo? Pois é, esse pegou treze anos por desobedecer à
rotina de exercícios diários e, ainda por cima, ser pego comendo fritura e
gordura em local público. Só falta agora querer resgatar aquela imagem proibida
de um Papai Noel gorducho!
– Aquele outro ao lado dele
foi punido pela lei anti-homofobia. Testemunhas o viram afirmar aos quatro
ventos que ele preferia ter um filho heterossexual em vez de um homossexual ou
bissexual. Onde já se viu uma coisa dessas? Vai ficar preso seis anos para ver
se supera este preconceito pequeno-burguês.
– O magrinho ali no meio foi
preso quando desafiava a lei da garupa, levando sua namorada, segundo ele diz,
na garupa da moto. E se fosse um assaltante? Não podemos tolerar estes abusos
sob risco de cair na barbárie. Todos sabem que muitas motocicletas são usadas
para a prática de assalto pelo comparsa da garupa. Desde 2014 esta prática está
proibida. As taxas de assalto teriam subido bem mais do que os 13% ao ano sem
esta medida!
– O mais novinho foi preso por
descumprir o toque de recolher. Ousou ficar vagando pelas ruas depois das onze
da noite. E o garoto não tem nem 25 anos! Prendemos seus pais também, por
irresponsabilidade. Um aninho só para aprenderem como educar direito o filho.
– O moreninho foi pego em uma
clínica clandestina para bronzeamento artificial. Depois que a Anvisa vetou
esta prática, surgiram algumas clínicas de fundo de quintal com aparelhos de
péssima qualidade. Agora o narciso terá que tomar banho de sol natural no pátio
do presídio!
Os dois caíram na gargalhada.
Enquanto o ministro contava cada caso, o presidente do Gabão anotava tudo com a
maior atenção, preocupado em não perder nenhum detalhe. Ele sabia estar diante
de uma mina de ouro, de uma receita infalível para se perpetuar no poder.
Chegou a vez do último preso daquela unidade:
– O careca ali foi preso por
fumar um cigarro dentro de casa, na presença de sua empregada! Mesmo depois de
tantas campanhas, dos cadáveres estampados nos maços do cigarro, o imbecil
ainda tem a cara-de-pau de acender um cigarro com sua pobre empregada em casa!
Colocando em risco um fumante passivo! Expondo a coitada ao risco enorme de um
câncer mortal. Vai passar duas décadas na cadeia para aprender o que é bom para
a tosse! Até porque o desgraçado não para de tossir por causa do pigarro…
Nova gargalhada. Enquanto
Cesare Battisti ciceroneava seu convidado pelo presídio, um subalterno
preparava os comes e bebes na sala de visitas, com direito a uma enorme
carreira de cocaína para animar a festa.
Título e Texto: Rodrigo
Constantino, originalmente no blogue “OrdemLivre”, 27-02-2012
PS: Para quem acha a ironia
absurda demais, recomendo o filme “O Homem do Futuro”, com Wagner Moura e
Alinne Moraes. Há uma cena que capturou minha atenção. Zero, o personagem de
Wagner Moura, entra em um bar no passado, em 1991, e pergunta ao barman se pode
fumar ali. O atendente faz cara de espanto e rebate algo assim: “Isso aqui é um
bar, meu amigo, claro que pode fumar!” Pois é. Passaram-se apenas duas décadas,
e o que era inimaginável e absurdo de se pensar na época, tornou-se realidade
agora. Um bar onde fumar é proibido! Alguém ainda acha a distopia acima tão
inacreditável mesmo?
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