Guilherme Fiuza
Depois da festa de aniversário
do PT, o Brasil respirou aliviado: após o leilão de três aeroportos pelo
governo Dilma, o Diretório Nacional do partido divulgou uma resolução
garantindo que “não é verdade que acabou a disputa ideológica sobre as
privatizações”. Graças a Deus! Sem disputa ideológica, como se sabe, o PT
desapareceria. E isso seria muito grave. Não pelo desgoverno, mas pelo
desemprego: para onde iria o imenso contingente de companheiros pendurados na
máquina pública graças à mitologia do partido? Hoje, o fim da disputa
ideológica seria praticamente um problema social.
O mito das privatizações como
coisa do demônio já rendeu à esquerda uma coleção de vitórias eleitorais. A
ideia da “privataria” é uma mina de ouro, um filão aparentemente inesgotável de
votos. E o negócio é seguro, porque ao eleitorado, nesse caso, não interessa a
verdade. Assim como as crianças diante dos contos de fadas, o eleitor prefere
que o bem e o mal sejam distinguidos pelo mito – que, entre outras vantagens,
está sempre no mesmo lugar.
Se dependesse do PT, a
telefonia nacional estaria até hoje nas mãos da Telesp, Telerj e congêneres.
Era um sistema apodrecido pela corrupção e pela ineficiência, que servia menos
aos aparelhos telefônicos que ao aparelhamento político. Mas era “nosso”. A
privatização mudou a vida de milhões de brasileiros, especialmente os mais
pobres, que até outro dia ainda se comunicavam pelo sistema de recado na
birosca. Mas, como a fábula não pode terminar com a vitória do monstro
(neoliberal), o eleitor arranjou um jeito de adorar seu telefone novo e
detestar a privatização. Viva o milagre da disputa ideológica.
O mito da “privataria” é tão
forte que vende até livro. Um ajuntamento criativo de documentos que, bem
embaralhados, resultam numa série de quase denúncias gravíssimas – no melhor do
jornalismo impressionista – vira best-seller. As privatizações melhoraram a
vida dos brasileiros e livraram o Estado de uma multidão de parasitas. Mas é
muito mais emocionante acreditar na lenda de uma quadrilha de espertos que
saqueou o país vendendo “o que é nosso”. E que – atenção! – pode voltar a
qualquer momento tentando derrotar o PT.
Confrontos entre ideologias já
se viram aos montes. Mas um partido defendendo a própria “disputa ideológica” é
a primeira vez. Eis a tradução da nota do PT para o português:
– Prezados eleitores, por favor, não abandonem essa dicotomia estúpida
entre privatização e defesa do patrimônio público. Não deixem de acreditar que
a fronteira entre o bem e o mal está nesse dilema imaginário. Esqueçam o bom
funcionamento de telefones, aeroportos e outros itens da monotonia cotidiana.
Sejam politizados, revolucionários, concentrem-se no duelo entre direita e
esquerda. Só assim, com essa mente esquemática e essa lógica primária, vocês
terão a chance de vestir a camisa, levantar a bandeira e verter seu ódio contra
o inimigo. Ah, sim: e, nas eleições, exerçam sua cidadania descarregando seus
votos conscientes nos candidatos contra a privataria (que, por acaso, são os
nossos).
A inédita defesa dessa
instituição lucrativa (a disputa ideológica) se fez necessária por causa da
privatização dos aeroportos de Guarulhos, Campinas e Brasília. Antes que o povo
começasse a confundir o bem com o mal e vice-versa, o partido fez o
esclarecimento definitivo: privatização do PT não é privatização.
Alívio geral. Por um momento,
até pareceu que algum vírus neoliberal tivesse sido solto no gabinete da
companheira Dilma. Felizmente isso não aconteceu. O que parecia privatização
era, na verdade, “concessão”. A privatização da telefonia também foi uma
concessão, mas aí há uma enorme diferença: não foi feita pelo PT. Portanto, é
privataria.
Com tudo colocado em seu
devido lugar, o partido da presidente pôde cuidar de retocar outras verdades.
Pela resolução do Diretório Nacional, o país ficou sabendo que a queda de sete
ministros de Dilma após uma escandalosa sucessão de fraudes foi “uma campanha
de setores da oposição que buscavam desestabilizar o governo através de
seguidas denúncias de corrupção em ministérios”. Por essa, ninguém esperava. Os
neoliberais fizeram até os companheiros do bem privatizarem dinheiro do povo.
Título e Texto: Guilherme
Fiuza, 22-02-2012
Colaboração: Rafael Picate
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