Ricardo Araújo Pereira
Eu sou filho único, mas houve
um tempo em que desejei muito ter uma irmã. Foi quando, aos 14 anos, li Os
Maias e percebi que dois irmãos podem divertir-se imenso. Após a leitura da
obra de Eça de Queirós, compreendi a razão pela qual a fraternidade é um valor
tão prezado. Os clássicos iluminam-nos, não há dúvida nenhuma. No entanto, nem
todos os leitores podem ter a minha sensibilidade, e por isso é natural que o
livro não comova toda a gente como me comoveu a mim. A Fnac acaba de lançar uma
campanha que sugere: "Troque Os Maias pela Mayer". O anúncio gerou
tanto sarrabulho no Facebook que foi rapidamente retirado. Este caso tem
tamanha quantidade de factos a exigir reflexão que até tenho medo que me faça
mal.
Primeiro, deve assinalar-se
que uma campanha tem de ser mesmo muito canhestra para ser reprovada no
Facebook. As pessoas do Facebook são, em geral, fáceis de agradar: declaram
amizade umas às outras sem dificuldade nenhuma e qualquer proclamação simples
como, por exemplo, "Ui, está tanto frio!", pode receber centenas de
polegares aprovadores. Não é fácil irritar gente desta. E, ainda assim, a Fnac
conseguiu-o.
Ora, a campanha não era assim
tão má. Diz-se que a Fnac propunha um péssimo negócio ao cliente. Como um
supermercado que dissesse: "Troque dois quilos de bife do lombo por uma
lata de salsichas." Mas o anúncio não referia a quem pertenciam Os Maias e
"a Mayer". Quem disse que é o cliente que entrega Os Maias e a Fnac
que dá "a Mayer", e não o contrário? A campanha propõe uma troca.
Tanto pode ser "Troque os seus Maias pela nossa Mayer" como
"Troque os nossos Maias pela sua Mayer". Se nos perguntam:
"Queres trocar dois quilos de lombo por uma lata de salsichas?", a
resposta correcta é: "Sim, onde é que eu entrego a minha lata de
salsichas?"
Além do mais, a troca faz
especial sentido. Quem conhece Os Maias e a obra de Stephenie Mayer não pode
deixar de verificar uma tautologia evidente. De acordo com a sinopse fornecida
pela Wikipédia, os livros de Mayer contam a história de um vampiro vegetariano.
É natural que quem tomou contacto com Os Maias apenas através dos apontamentos
Europa-América ainda não tenha dado conta da semelhança. Para esses, desvendo
um pouco mais do enredo. Sucede que o vampiro se apaixona por uma rapariga por
cujo sangue se sente muitíssimo atraído - o que é problemático, uma vez que ela
poderia levar a mal que ele lhe cravasse os dentes no pescoço para lhe beber o
sangue. Sabe-se como são as mulheres: qualquer pequena coisa as pode indispor.
Ou seja, temos um rapaz que se interessa por uma rapariga e o sangue dela
constitui um problema. Exactamente a mesma história de Carlos e Maria Eduarda
da Maia.
Título, Imagem e Texto:
Ricardo Araújo Pereira, revista Visão, nº 987
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