quinta-feira, 24 de abril de 2014

Previdência no Brasil: a extorsão explicada

 Artur Larangeira 
 
O Brasil de abril de 2014, após a reforma da previdência dos servidores públicos, continua praticando um crime contra os direitos humanos ao privilegiar acintosamente os trabalhadores e aposentados do serviço público em detrimento dos do setor privado; as iniquidades são imensas, entretanto, neste documento vamos nos limitar às diferenças de tratamento entre as aposentadorias das duas categorias.

O Brasil aparentemente corre para um capitalismo de estado e, para isso, ele, em detrimento de 90% da população, privilegia os que trabalham para ele (funcionários públicos e seus prestadores de serviço), quebrando assim um dos pilares de uma república democrática que é a igualdade de tratamento entre os iguais; e como o Estado fez isso nas aposentadorias? Fácil: desvinculou as contribuições dos trabalhadores e dos respectivos empregadores dos benefícios pagos aos aposentados, ou seja: não há relação entre esforço e recompensa.

Assim foi possível oficializar um benefício altamente subsidiado e cheio de privilégios para os protegidos do Estado, os servidores públicos, e um benefício altamente extorsivo e minguado para a enorme maioria dos aposentados brasileiros – os do INSS urbano, e pior: os benefícios do INSS mínguam à medida que o Estado resolve fazer populismo (caridade com dinheiro do INSS urbano), fato cada vez mais frequente nas últimas décadas. Essa situação é insustentável se considerarmos as incongruências da economia brasileira: 7ª economia do mundo (graças principalmente à iniciativa privada), e 12ª maior carga tributária e IDH na 85ª posição (consequências da administração incompetente, corporativa e irresponsável do Estado).

Assim, temos a seguinte situação: um trabalhador da iniciativa privada que ganhe R$ 20.000,00 mensais contribuirá para a previdência com mais 19% do que o seu par do serviço púbico de mesmo salário, e ao se aposentar receberá inicialmente um benefício 80% menor que o dele, e a extorsão não para aí: devido aos critérios de atualização dos benefícios – os do setor público por paridade com os da ativa e os do setor privado pela inflação – essa diferença cresce absurdamente a cada ano. Alguém consegue explicar esse monstro?
Obs: Esses números estão demonstrados no ítem 3.

Obs 2: Apresentamos um exemplo da situação atual, mas temos trabalhos que estão disponibilizados no site da ASOV que demonstram que anteriormente a mesma extorsão era praticada.

Abaixo um gráfico da situação apresentada anteriormente, que pelas linhas de tendência mostra o quanto é extorsiva para o INSS a previdência pública brasileira.



Leis que deveriam mitigar essa situação: até a constituição federal brasileira de 1988 todos os empregados eram iguais na ativa e na aposentadoria, e neste aspecto, a constituição de 88 foi antidemocrática, pois incluiu diversos privilégios só para os servidores públicos.

Entretanto a CF88 contém pelo menos quatro itens figurativos que se aplicados mitigariam as injustiças, mas que não foram aplicadas devido ao efeito perverso e corporativo do serviço público brasileiro. São eles:
a) item V, art. 194 (Seguridade Social): deve haver “equidade na forma de participação e custeio”;
b) preâmbulo da constituição: “... destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.
c) artigo 5º inciso XL “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Esse artigo só foi aplicado em benefício dos servidores. Em que país democrático e justo direito adquirido só se aplica a servidores públicos?
d) Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I - dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;
II - dos trabalhadores;
III - sobre a receita de concursos de prognósticos.

3 – Base de dados e de cálculos para obtenção dos resultados mostrados no item 1:
3.1 – Cálculos:  
- Salário base – R$ 20.000,00
                - Teto do salário do INSS: R$ 4.159,00
                Item
INSS
RPPS
Obs.
Contribuições até o teto do INSS - empregado
11% de 4.159,00 = 457,49
11% de 4.159,00 = 457,49

Contribuições até o teto do INSS – empregador
20% de 20.000,00 = 4.000,00
22% de 4.159,00 = 914,98
Obs. O empregador CLT contribui com 20% sobre o salário integral.
Contribuições acima do INSS - empregado
0,00
7,5% de 20.000-4.159,00 = 1.188,00

Contribuições acima do teto do INSS - empregadoR

7,5% de 20.000-4.159,00 = 1.188,00

Total das contribuições
R$ 4.457,49
R$ 3.748,62
Nessa faixa salarial, para o INSS se contribui com 19% a mais do que para o RPPS.
Benefício a receber
4.159,00 *86,7% (fator previdenciário de 60 anos) = 3.605,85
20.000,00 – (20.000,00-4.159,00)*11% (alíquota cobrada aos servidores que ganham acima do teto do INSS, ou a enorme maioria)= R$ 18.257,49.
E se recebe 80% a menos (3.605,00/18.257,49-1)

3.2 – Relação contribuições mensais / benefícios a receber:
Contribuições / benefícios
INSS
RPPS

4.457,49 / 3.605,85 = 81%
3.748,62 / 18.257,49  = 487%

Obs: Só este quadro demonstra o tamanho da iniquidade entre ambos os regimes, e cabe esclarecer que as contribuições duram em torno de 420 meses (35 anos) e os benefícios são recebidos em torno de 257 meses (tempo de sobrevida de quem chega aos 60 anos – fonte IBGE).


Fonte de dados:

Artur Larangeira Filho, Rio de Janeiro, 24-04-2014

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4 comentários:

  1. Os direitos adquiridos não pode serem usurpados,a classe dos aposentados que ganham acima de 1s/m estão defasados em seus proventos em torno de 80%que ja vem de varios governos,entramos com uma petição na CIDH da OEA segundo o órgão,irão chamar o governo brassileiro para conversar e fazer justiça com a classe...estamos no aguardo!

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  2. Caro amigo Artur Larangeira, é outro magnífico trabalho apresentado por você, merecendo nota 1000! Agora, diferente do artigo anterior, uma matéria bastante reduzida com apenas dois gráficos você disse tudo a respeito do desrespeito imposto ao aposentado do setor privado.
    E, importante, um artigo redigido sem ódios ou insultos pessoais, destacando apenas e com veemência, a disparidade de tratamento dado aos aposentados brasileiros. É um trabalho digno de ser apresentado nacional e internacionalmente, obrigando as cabeças pensantes, sem argumentos convincentes para contra-atacar, a abaixarem a crista e reverem a atual sistemática contraditória a uma plena justiça mais igualitária para o sistema previdenciário.
    Estamos sentindo que o aposentado está fechando o cerco, em busca dos seus direitos surrupiados. Quem em sã consciência pode aceitar para completar tudo o que você relatou, como uma pá de cal sobre o caixão o governo atualize as aposentadorias dos segurados do RGPS-Setor Urbano, com dois percentuais diferentes: Um percentual maior para os aposentados que ganham 01 salário mínimo, e outro percentual bem menor para aqueles que ganham um pouco acima dele, mesmo tendo um teto máximo da Previdência que tira qualquer perspectiva do aposentado de conseguir uma aposentadoria que se aproxime do valor que ele mereceria por direitos receber.
    Parabéns amigo.
    Almir Papalardo.

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  3. Paulo Paim (PT-RS) voltou a contestar que a Previdência Social seja deficitária e atribuiu o suposto rombo ao dinheiro desviado para a composição do superávit primário (reserva feita pelo governo para o pagamento de juros). Este também é o destino de parte dos recursos da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Confins), da arrecadação com jogos lotéricos e de outras contribuições destinadas à Previdência.

    O senador citou matéria do jornal O Dia em que, pelos cálculos da GVS Consultoria, 35 anos de contribuição sobre três salários mínimos resultam em aposentadoria, aos 55 anos, de R$ 690,41. A mesma quantia, depositada na poupança, renderia um total de R$ 354 mil e o trabalhador poderia sacar R$ 1.773,76 ao mês, ou seja, R$ 1.083,35 a mais, só de juros.

    O fim do fator previdenciário e uma política de reajuste das aposentadorias e pensões de pouco mais que um salário mínimo são essenciais. De outra forma, afirmou Paim, o movimento sindical deveria defender que todos contribuíssem somente sobre um salário mínimo e aplicassem outra parte no sistema financeiro.

    – Se vou ganhar somente um, por que vou pagar sobre dez? – questionou.

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    1. Pois é sr. Rocha, o sr. percebeu onde queremos chegar, e é isso mesmo, fazer comparações porque o dinheiro tem o mesmo valor em todo o Brasil. Assim, no exemplo que demos – de um salário de 20 mil, com as contribuições já citadas durante 420 meses (35 anos), correções de 4,5% a.a., e retorno do capital investido em 257 meses (tempo de sobrevida de quem chega aos 60 segundo o IBGE) -, ao final de 35 anos o contribuinte da iniciativa privada teria em sua conta mais de R$ 4,5 mi e o servidor mais de R$ 3,8 mi, o que daria uma renda mensal de 26.368,00 e 22.175 respectivamente, ou seja: nós recebemos 14% do que deveria e os servidores 82%. Que tal? O jogo está bom para quem? Quem trabalha para quem?

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