terça-feira, 18 de setembro de 2018

[Aparecido rasga o verbo] Na louçania

Aparecido Raimundo de Souza

O PROFESSOR DE MATEMÁTICA resolve, assim que entra na sala, tomar a tabuada de seus alunos. Inicia o certame pelo mais fraquinho, todavia, sabendo ser o pirralho bastante estudioso e atento. Pergunta:
- Marquinhos, boa tarde. Estudou a tabuada como pedi na aula passada?
- Sim professor Timóteo.
- Ok. Vamos lá.  3 mais 1?
- 4, professor.
- Luciano, 5 menos 2?
- 3, professor.
- Amanda, 7 vezes 5?
- 35, professor.
- Liliane, 8 vezes 4?
- 32, professor.
- Narciso. 9 dividido por 7?
- 1, professor.
- Abílio, 4 vezes 3?
- 12, professor.
- Verinha, 3 mais 7?
- 10, professor.
- Dudu, 8 menos 6?
- 2, professor.

O mestre, num primeiro momento se mostra feliz e receptivo. Continua com a sabatina.
- Francisco, 7 vezes 2?
- 14, professor.
- Luana, 8 vezes 9?
- 72, professor.
- Genésio, 4 mais 9?
- 13 professor.
- Fernando, 10 dividido por 6?
- 1, professor.

A aula segue normal, sem problemas.
- Bruno, sua vez. 2 vezes 6?
- 13, professor.
- Bruno, preste atenção: 2 vezes 6? – 6 mais 6?
- Dá uma dica, “fessor!”
- Sem dica.
- Deu branco!
- Dou-lhe uma...
- Calma ai...!
- Dou-lhe duas...
-12...
-Tem certeza, Bruno?
- Não “fessor”.
- Você não estudou. Ficará sem intervalo.
- E qual seria a resposta correta?
- 12.
- Então eu acertei. Não aceito a punição de ficar trancado aqui dentro feito um boboca enquanto todos sairão desembestados para o refeitório.

O preceptor até então satisfeito, de repente parece se irritar com a falta de modos de seu aluno. Apesar disso, procura se mostrar paciencioso. Mede as palavras usando certa cautela para evitar maiores confusões.  
- Bruno, como você mesmo presenciou, os seus coleguinhas responderam com precisão, sem titubear. Isso significa que eles levaram a matéria a sério, como as outras existentes no currículo.

Antes de entrar aqui conversei com a professora Luciana, de Português e com o Professor Rodrigo, de Geografia. Praticamente toda a classe está no caminho certo. Por que você não procura agir de forma idêntica? Você realmente acertou, mas no chute. Não vi convicção. Façamos o seguinte: estude mais e, da próxima vez, não permaneça estático em cima do muro.
- Ta legal, “fessor”. Valeu... ficarei de castigo...

Na sequência o educador sinaliza para Carina que prontamente se põe em pé. A menina se abre, alegre, brejeira e encantada.
- Ca, minha linda, 5 mais 7?
- 12, professor.
- Pode sentar. Tatiana, 10 menos 7?
- 3, professor.
- Estou gostando de ver. Parabéns a todos...

Chega por derradeiro a vez do Wallace, o miúdo mais indisciplinado, rebelde, antipático e criador de caso de toda a sala, ou melhor, de toda a escola. O santo da cadeira do matemático não bate com o querubim do travesso, porém, não pode deixá-lo de fora da peleja. Sabe, se o fizer, criará uma amolação férvida, odiosa, desagradável e entediante, não só com os pais do menor, como igualmente com a direção da escola. Precisa fazer uma pergunta por descargo de consciência. Torce, intimamente, para que o odioso desacerte, falhe, erre, tenha um lapso momentâneo de memória. Assim aplicará a punição deixando-o admoestado com o chato do Bruno, fundeados, ambos, entre as tristezas e tutelados pela solidão das carteiras vazias, enquanto os demais se divertem na movimentada e tão esperada hora do recreio.

Conta até dez antes de se dirigir ao infante.
- Muito bem Wallace. Estudou a tabuada?
- O que o senhor acha?
- Não acho nada. – Limita o professor Timóteo a devolver a indagação com um meio sorriso de tolerância forçado. - Você é quem deve saber e me provar que realmente está afiado com as quatro operações elementares. Correto?
- Manda a pergunta...
A turminha, em peso, mergulha num silêncio de caserna, protegida pelo sabor agonizante e precipitado de não perder a réplica que o trocista dará Será que o jovem aprendiz acertará ao objetar a indagação do malvado e capcioso (para ele, claro) mestre? Em face disso, não se ouve nem a respiração dos pequerruchos.
- Preparado?
- Sempre...
- 9 vezes 5?
Para espanto geral, o fedelho responde de primeira, sem pestanejar.
- 45.

Tentando chacotear com os cornos do arrogante, o professor insiste lancinante, pungente e pertinaz. Na verdade, quer de alguma maneira deixar o engraçadinho metido numa tremenda saia justa. Para conseguir seu intento, no fundo, mais para saborear e desconcertar o pestinha inverte a indagação formulada. Conta, acima de tudo, com a desatenção da criatura. Quando o ladino vencido e humilhado perder a pose, ele gozará de uma orelha a outra, em harmonia íntima, e encarará o infeliz no âmago de seus olhos para pisar, com força, na sua altivez vendo-a cair por terra diante de todos os coleguinhas presentes.
- Ótimo! Show de bola. E 5 vezes 9...?

Wallace, contudo, sabendo que o professor não lhe suporta, em vista dos aprontos que vem fazendo, não se deixa ser logrado, nem trapaceado ou sacaneado. Dono de uma memória prodigiosa e raciocínio rápido e seguro, devolve a contradita na lata, na bucha, untando a pergunta uma pitada de destemidez e ousadia. Berra:
- Atnerauq e ocnic professor... (1).
Um “Meu Deus, o que foi que ele falou?”, em uníssono, se ouve como num motim intimorato, destemido, valente, se espalhando de um canto a outro. Sem graça, baldado, frustrado, debilitado, o lente apanha as suas coisas sobre a mesa e sai de cena, vinte minutos antes do horário previsto, e o faz visivelmente irritado exasperado, enfadado, suando feito esponja espremida, como se tivesse (e tinha) o rabo metido entre as pernas bambas.
(1) Quarenta e cinco.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, jornalista. De Itabira, Minas Gerais, nas dependências da Vale e da Estrada de Ferro Vitória a Minas. 18-9-2018

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