Aparecido Raimundo de Souza
JESUS CRISTO ESTAVA muitíssimo preocupado com as drogas em todo mundo.
Sabia que essas desgraças (a cada dia que passava) vinham se alastrando de forma irrefreável, notadamente entre as
crianças, os jovens e os adolescentes. O Martir do Gólgota resolveu, em caráter
de urgência, reunir alguns de seus principais apóstolos numa das mansões celestiais existentes perto de onde
morava o Pai Maior, e tentar achar, junto com eles, uma solução plausível para
pôr um fim definitivo a essas pandemias que levavam os incautos e menos
desavisados em números cada vez mais crescentes para os descaminhos do inferno.
Assim foi.
Depois de uma hora, terminada a reunião, ficou decidido que cada apóstolo
desceria à Terra e voltaria, dentro do menor tempo possível trazendo as
substâncias nocivas que fossem encontradas nos lugares tidos como pontos chaves
de distribuição. Como as drogas, não têm pátria nem nacionalidade... O reencontro se daria uma semana depois, no mesmo lugar. Jesus Cristo, com a sua graça
intensíssima e a bondade transbordando da alma, iria pessoalmente receber cada
um dos seus emissários, abrindo lhes, pessoalmente, a porta. De fato, uma semana depois, por volta das sete horas da
manhã, os enviados começaram o processo de regresso.
“Toc, toc”.
Jesus Cristo, como prometido, atendeu imediatamente.
— Quem e?
— Simão, o Zelote, Amado Mestre.
Simão foi recebido de braços abertos:
— Seja bem vindo. O que você trouxe, Simão?
— Senhor, arrebatei toda a cocaína da Bolívia.
— Pode entrar, Simão. Tem café, leite, suco, pão, bolo, frutas, queijo e
mortadela. Os anjos Baraquiel e Gabriel estão logo ali, à sua disposição.
Sinta-se em casa.
Bateram à porta, de novo:
“Toc, toc”.
— Quem e?
— André, Senhor.
Jesus repetiu o mesmo gesto endereçado à Simão:
— Seja bem vindo, André. O que você trouxe?
— Meu Salvador, eu juntei toda a maconha,
haxixe, e LSD dos Estados Unidos.
— Entre, André. Que bom! Vá até a mesa e fale com Baraquiel e Gabriel.
Mandei preparar um dejejum reforçado para todos.
O terceiro se aproximou:
“Toc, toc”.
— Quem e?
— Jesus, aqui é Tiago, filho de Zebedeu.
— Seja bem vindo, meu filho. O que você trouxe?
— Amado Mestre, trouxe todo o ópio do Afeganistão.
— Estou muito feliz com seu regresso. Junte-se a Simão e André.
Logo em seguida bateu João, irmão de Tiago:
“Toc, toc”.
Jesus repetiu a pergunta feita aos que já se encontram à mesa:
— Quem e?
— João, Senhor.
— Entre João. Seja como os demais, bem vindo. O que você trouxe?
— Trouxe todo o ecstasy de Honduras, meu Senhor e Rei.
O próximo a se fazer presente, Filipe:
“Toc, toc”.
— Quem é?
— Filipe, meu Salvador.
— Filipe, que bom vê-lo de volta.
O que trouxe?
— Trouxe, meu Mestre querido toda a morfina que encontrei na Jamaica.
— Perfeito. Entre, meu amado. Uma mesa farta e, no
capricho, espera por você.
Os discipulos continuaram chegando a pequenos intervalos de cinco ou seis
minutos entre um e outro:
“Toc, toc”.
— Quem é?
— Bartolomeu, Senhor do Universo.
— Que prezer inusitado em poder abraça-lo, Bartomoleu. Diga o que trouxe
e sente-se para o café da manhã.
— Meu senhor, eu trouxe todos os cigarros do Paraguai. O que tinha de
contrabando!...
— Formidável, Bartolomeu, formidável. Agora, sem mais delongas, acabe de chegar, acomode-se e cuide da sua
fome.
Toc, toc”
— Quem bateu agora?
— Tomé, Senhor.
— Seja bem vindo. Receba a minha paz e a minha benção. Tomé, como se saiu
em sua missão?
— Muito bem, Senhor. Trouxe todas as colas de sapateiros que encontrei na
República Dominicana. De lambuja, aproveitei e passei a mão recolhendo os
tonéis de álcool que por lá existiam.
Não ficou um sequer, para contar história.
— Acredito piamente em você, Tomé.
Não sabe como me alegra o espírito em ouvir isso vindo de sua
pessoa Agora vá comer. Deve estar
faminto.
Outros discípulos continuavam chegando e bondosamente, com o coração em
festa e uma luz incandescente nos olhos, Jesus seguia em pé, na porta de
acesso, recebendo seus escolhidos, e dando a eles as boas vindas pela missão
levada à contento e, sobretudo, pelo dever cumprido em face da incumbência que
cada um recebera. Foi a vez do outro Tiago, filho de Alfeu:
Toc, toc”.
— Quem bate agora?
— Tiago, meu Rei, Tiago filho de Alfeu.
— Que satisfação grandiosa em tê-o de volta. Diga sem mais delongas: o
que você trouxe, Tiago?
— Meu Inimitável e Soberano, passei os dez dedos em todas as anfetaminas
que encontrei no Equador. Todas. Fiz uma limpa.
— Excelente, maravilhoso, Tiago. Vá se sentar e participar das
guloseimas sobre à bancada. Os demais do nosso grupo aguardam ansiosos.
“Toc, toc”.
Desta vez, quem deu o ar da graça, Mateus:
— Quem é?
— Mateus, Senhor.
— Seja bem vindo, Mateus. Seja bem vindo. Então, o que você trouxe?
— Senhor, trouxe todas as pedras de crack que encontrei na Costa Rica.
— Estou feliz com todos vocês. Por favor, Mateus, vá se sentar e tirar a barriga da miséria. O breakfast está
imperdível.
Chegou, então, a derradeira criatura escolhida da falange do Nazareno.
Judas Iscariotes. O sujeito bateu devagar, sem muito empenho. Precisou que o
fizesse repetidas vezes, para que, enfim, o Redentor o escutasse.
“Toc, toc”,
O Leão de Judá, incansável, o rosto sereno e tranquilo, indagou,
pressuroso:
— Quem é?
— Judas Iscariotes...
— Judas, Judas, meu filho amado! Que bom que voltou. O que trouxe?
Num primeiro momento o recém chegado nada respondeu.
— Jesus Cristo refez a pergunta:
— Judas Iscariotes, meu filho querido, o que você trouxe?
Como o discípulo continuasse mudo, Jesus escancarou a entrada em toda a
sua largura. À frente de seu rosto terno, o Príncipe da Paz, o Bispo das nossas
almas deu com uma muralha de homens encapuzados, todos com armas de grosso
calibre nas mãos o que, num momento o
deixou intrigado. Apesar de saber de quem se tratavam e o que pretendiam, Jesus
Cristo refez a pergunta:
— Judas Iscariotes, o que você trouxe?
— Senhor —, começou Judas com a
sua voz se incorporando num ser
desprezível, de feições frias, os dentes manchados de nicotina, a barba de mais de uma semana —,
como pode perceber, com esses olhos que o pó do universo haverá de turvar
—, estive passeando pelo Brasil, ou melhor, por Brasília. E concluiu, com
excrescência e um sorriso chalaceado: — De
lá, eu trouxe a polícia federal em peso, para prender todo mundo que se
encontra aqui.
Título e texto: Aparecido
Raimundo de Souza, de Vila
Velha, Espírito Santo. 8-5-2020
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