O impacto da doença também está relacionado
à eficiência do sistema imune de cada indivíduo
Cícero Galli Coimbra
Durante a atual pandemia da
covid-19, entre os indivíduos infectados pelo coronavírus (Sars-CoV-2),
observamos desde a ausência de sintomas perceptíveis em alguns até, em outros,
a evolução para a insuficiência respiratória aguda, seguida de falência
múltipla de múltiplos órgãos e morte em poucos dias. Essa variabilidade extrema
resulta da eficiência do sistema imune de cada indivíduo — o que leva à
necessidade de identificar-se o fator biológico determinante dessa eficiência
na reação contra infecções. Tal identificação corresponderia ao reconhecimento
da causa da severidade da infecção e traria consigo a vantagem da possibilidade
de prevenir da doença, pois prevenir é eliminar a causa.
Agindo sobre a causa da
gravidade da infecção poderíamos promover a eliminação pronta e imediata do
vírus nos indivíduos recém-infectados ou que viessem a ser infectados,
reduzindo-se ou mesmo eliminando-se a sua transmissão, e evitando que pessoas
desenvolvessem manifestações leves ou severas da doença, com a possibilidade de
quase eliminar a mortalidade da infecção.
Em março de 2020,
pesquisadores da Universidade de Turim observaram a associação entre níveis
séricos baixos de vitamina D e gravidade da covid-19, recomendando a correção
dos níveis no combate à pandemia. Já em janeiro de 2020, havíamos feito essa
recomendação, pois há mais de 250.000 publicações científicas que podem ser
acessadas através do Google Acadêmico (utilizando-se as palavras-chave “vitamin
D” e “immune system”) sobre a importância da “vitamina” D (que desde a década
de 1930 sabe-se que é de fato um hormônio esteroide dotado de múltiplas
funções) para um funcionamento potente e regulado do sistema imune.
Utilizando-se as palavras-chave “vitamin D” e “virus” obtém-se um número de publicações
superior a 150.000, documentando o estado “antiviral” em que se mantém o
sistema imune sob níveis normais de vitamina D.
Desde a década de 1980, em
decorrência da vida em ambientes confinados, o percentual da população com
níveis baixos de “vitamina” D vem aumentando (tornando-se a condição clínica
mais comum no planeta, com níveis pandêmicos nas últimas 2 décadas). Perdeu-se
a única fonte natural de “vitamina” D: a exposição direta da pele ao sol forte.
O tempo de exposição para atingir-se a quantidade desejada de “vitamina” D
(desde 10.000 UI até o máximo possível de 20.000 UI) depende de vários fatores,
sendo mais breve em pessoas jovens, de pele clara, com peso normal, mantidas na
posição horizontal, com grande extensão de pele descoberta sem a interferência
de vidro ou filtro solar. Nessas condições, bastam 10 minutos de exposição para
obter-se pelo menos 10.000 UI. Pele pigmentada, envelhecida ou excesso de peso
aumentam significativamente esse tempo. Assim mesmo, somente depois de dois
meses de exposição diária, seriam atingidos os níveis normais (40–100 ng/mL,
conforme a Endocrine Society, EUA; infelizmente, no Brasil, adotam-se níveis de
referência bem inferiores, prejudicando a avaliação médica). Também as baixas
doses diárias “recomendadas” (600 UI por dia) para adultos não levam aos níveis
normais mencionados.
Importante lembrar que é
impossível obter-se quantidades adequadas de “vitamina” D através da
alimentação devido às quantidades presentes nos alimentos ditos “ricos” em
“vitamina” D. Para obter-se 10.000 UI por dia há que consumir 250 gemas de ovo,
13 postas de salmão ou 80 copos de leite.
Pouco tempo após o comunicado
de Turim, diversas publicações complementaram as observações iniciais.
Demonstrou-se que, mesmo excluídas as influências da idade, do sexo e das
comorbidades, o nível sérico baixo de “vitamina” D ainda permanece fortemente
associado à mortalidade por covid-19.
Ao encontrar a associação
entre dois fenômenos, indaga-se qual deles é a causa e qual é o efeito. Foi o
que ocorreu por volta de 1950 quando o estatístico britânico Austin
Bradford-Hill trouxe a público a associação entre o tabagismo e o câncer de
pulmão e teve de defender-se da crítica feroz da indústria do tabaco. Criou os
seus “critérios de causalidade” (ainda altamente prestigiados) que lhe valeram,
anos depois, o título de “Sir”. Dentre eles, destacaríamos um critério: deve
haver um mecanismo através do qual um fenômeno causa o outro. Como exemplos
entre diversos possíveis, quantidades adequadas de “vitamina” D promovem a
produção de catelicidinas — substâncias que destroem a cobertura protetora da
genética do vírus. Ela também bloqueia a multiplicação do vírus no interior da
célula infectada e evita o processo inflamatório descontrolado (“tempestade de
citocinas”) responsável pela insuficiência respiratória e pela falência
múltipla de órgãos.
A correção de qualquer
parâmetro biológico é obrigação que qualquer médico ou gestor de saúde, e esta
é uma situação de urgência extrema; as pessoas confinadas (mesmo crianças)
estão sem expor-se ao sol — arriscadas a uma maior mortalidade quando forem infectadas.
Não é possível esperar dois meses. Há que se adotar o mesmo procedimento que há
décadas já era utilizado em crianças com raquitismo: a administração de uma
dose única de 600.000 UI via oral — para adultos. Assim, eleva-se de imediato o
nível de vitamina D para cerca de 77 ng/mL.
Conforme publicações
científicas, quase toda essa dose é absorvida pela gordura localizada sob a
pele, que passa a liberar lentamente vitamina D para a circulação, de forma
que, após 30 dias, o nível de vitamina D encontra-se em cerca de 62 ng/mL.
Então inicia-se a administração de 10.000 UI a 20.000 UI por dia (conforme o
peso corporal mais próximo de 50 kg ou de 100 kg respectivamente) para
manutenção.
Crianças devem receber doses
proporcionais ao seu peso. A normalização de um parâmetro biológico não pode
provocar, mas apenas evitar dano ao organismo.
Título e Texto: Cícero
Galli Coimbra, professor livre-docente do Departamento de Neurologia e
Neurocirurgia da Universidade Federal de São Paulo e diretor do Laboratório de
Neuropatologia e Neuroproteção, Unifesp • Universidade Federal de São Paulo, 19-5-2020
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