Aparecido Raimundo de Souza
EU
VINHA PELA orla, caminhando pela areia,
quando dei de cara com uma moça mascarada, parada, em pé, completamente
estática na beira da água. A linda (ai
pela casa dos vinte e oito), espiava atentamente o mar. Fazia isto em silêncio,
como se trocasse, com ele, alguma coisa importante, num diálogo que ninguém ao
seu redor pudesse ouvir.
A jovem se mantinha reta. Apenas os pés jaziam mergulhados nas ondas de espumas brancas que iam e vinham numa rotina sem fim. Pensei com meus botões: ‘por que ela não entra?!’. Bastava tirar os óculos escuros, a máscara rosa que lhe ocultava parte do rosto, a saída de praia, os chinelos e gozar do bem bom da natureza.
Apenas isto, num ritual ligeiro e, em seguida, dar dois ou três passos à frente e, então, desfrutaria da maviosidade daquele momento único que o oceano imenso oferecia, de graça, sem cobrar ou pedir nada em troca. Por breves momentos, me quedei, a observar, quieto. De longe, sem me aproximar. Capturei a figura esguia de um rapaz que, à retaguarda, a vigiava, de solslaio, enquanto acertava duas cadeiras e tentava abrir um guarda sol.
De repente, ele largou tudo e se posicionou em direção a ela. Na mão, de contrapeso, vinha uma bengala branca (dessas usadas pelas pessoas que nasceram privadas da visão). Ao se acercar da beldade, ele lhe estendeu o amparo e o braço direito. Ato contínuo, de posse do bastão de arrimo, ela experimentou, bem devagar, sondando o terreno, tateando aqui e ali.
Se dedicava vagarosamente a estes gestos, a procura, certamente, de um ponto de apoio, para começar a andar, além de poder contar com o conforto do braço e da presença do rapaz que a escoltava. Percebi, num segundo, toda a situação. Não adiantava ela tirar a máscara, ou se despir dos óculos.
Ela não conseguiria ver o mar, ou o dia lindo, mormente os cuidados do acompanhante, sobretudo, se deleitar, se inebriar com a formosura que enchia meus olhos, ao tempo em que, literalmente, privava os dela, de usufluírem da grandeza que a natureza, naquele momento sublime, fazia descortinar diante de sua endeusada silhueta.
Apesar da sua juventude transpirando por todos os poros e, igualmente, da beleza ímpar que a sua feminilidade proporcionava a quem mais passasse e resolvesse estancar os passos e olhar para ela. Olhar por um segundo que fosse, não com os olhos físicos; todavia; com a visão vinda de dentro da alma.
Ainda assim, nada desfiguraria o quadro. Se mudasse, obviamente quem a contemplasse, como eu, se compadeceria da sua dor descomedida e choraria, interiormente, em face da sua atribulada desdita.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Sertãozinho, Ribeirão Preto, interior de São Paulo, 6-10-2020
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