Antonio Gramsci, aos 30 anos, no começo da década de 20. Foto: AD |
Vitor Grando Pereira
Não tenho dúvidas de que Karl
Marx é um dos filósofos mais vivos nos nossos dias, pelo menos na realidade
cultural brasileira. Podemos não viver num regime comunista, mas ainda assim
não é difícil identificar a influência velada que o marxismo exerce nos
veículos de comunicação, nas ciências humanas e, até mesmo, na exegese das
Escrituras Sagradas, ou seja, sua influência viva no campo ideológico.
Destarte, eis o motivo pelo qual eu escolhi o teórico marxista Antonio Gramsci
para analisar a sua pedagogia, que, após a queda do Muro de Berlim, foi
providencial aos intentos marxistas. Gramsci foi um grande responsável pela
difusão do marxismo no campo ideológico, como já dissemos acima, e isso inclui
a disciplina da Pedagogia. Portanto, nada mais perninente à nossa realidade do
que a análise do pensamento gramsciano.
Nascido no final do século
XIX, na Sardenha, Antonio Gramsci foi um dos grandes teóricos da Esquerda. Foi
jornalista, escritor, teórico e político italiano e um dos fundadores do
Partido Comunista Italiano. Tendo sido um bom estudante, Gramsci venceu um
prêmio que lhe permitiu estudar literatura na Universidade de Turim. A cidade
de Turim, à época, passava por um rápido processo de industrialização, com as
fábricas da Fiat e Lancia recrutando trabalhadores de várias regiões da Itália.
Os sindicatos se fortaleceram e começaram a surgir conflitos
sociais-trabalhistas. Gramsci frequentou círculos comunistas e associou-se com
imigrantes sardos.
Sua situação financeira, no
entanto, não era boa. As dificuldades materiais moldaram a sua visão do mundo e
tiveram grande peso na sua decisão de filiar-se ao Partido Socialista Italiano.
Esta é uma característica comum aos mais ávidos comunistas: um passado menos favorecido.
Por ser um grande opositor do
fascismo de Benito Mussolini, Gramsci foi preso em 1926 e assim permaneceu até
1934, quando foi liberto por problemas de saúde. Ao proferir sua sentença o
juiz disse: “Temos que impedir esse cérebro de trabalhar por uns vinte anos.”
Veio a falecer pouco tempo depois. Foi nesse período encarcerado que Gramsci
escreveu sua principal obra Cadernos do Cárcere. Vamos ver agora dois de seus
principais conceitos e, subsequentemente, sua pedagogia.
Hegemonia
Antes de adentrarmos na
pedagogia de Antonio Gramsci, há dois conceitos que precisam ser elucidados por
serem os pressupostos de suas teorias pedagógicas. O primeiro deles é o
conceito de hegemonia. O conceito de hegemonia alçou Gramsci ao panteão teórico
das esquerdas. Segundo o autor, por hegemonia entende-se o movimento articulado
- o bloco histórico formado pela estrutura e superestrutura - na direção das
disputas politicas. A superestrutura compreende a estrutura jurídica (Direito e
Estado) e ideológica (moral, política, religião...)
O conceito parece exercer um
duplo papel na concepção gramsciana: (1) denunciar os instrumentos empregados
pela "hegemonia burguesa" e (2) estabelecer uma estratégia eficaz
para o triunfo das classes trabalhadoras.
Na leitura proposta por Gramsci,
a sociedade é um organismo complexo e relacional, que não pode ser totalmente
explicado em termos de um determinismo econômico mecanicista, como propusera o
marxismo ortodoxo. Ele não negava a mais-valia, a luta de classes, o
materialismo histórico, o fim do "Estado burguês", mas tentava
mostrar o impacto poderoso de fatores morais, culturais e ideológicos nos
processos sociais. Uma hegemonia, em suma, não se concretiza "apenas"
com a posse dos meios de produção; a luta se dá também no campo ideológico. E
aqui eu penso que está a grande contribuição de Gramsci à Esquerda. A luta não
se dá apenas na tomada do Estado, na implantação da ditadura do proletariado,
mas se dá também, ou prioritariamente, no campo ideológico, na subversão das
ideias que, para Gramsci, são intrinsecamente associadas à burguesia e que,
portanto, precisam ser extirpadas para a implantação da revolução. Gramsci,
portanto, procede a uma subversão profunda e sutil do status quo.
Ao contrário da maioria dos
teóricos que se dedicaram à interpretação e à continuidade do trabalho
intelectual do filósofo alemão Karl Marx (1818-1883), que concentraram suas
análises nas relações entre política e economia, Gramsci deteve-se
particularmente no papel da cultura e dos intelectuais nos processos de
transformação histórica. Suas ideias sobre educação surgem desse contexto.
Gramsci, que credita a Lenin
os princípios gerais da hegemonia, deve ter lido com atenção a seguinte
passagem de A Ideologia Alemã, de Marx e Engels: "a classe que dispõe dos
meios de produção material dispõe também dos meios de produção
intelectual".
Portanto, o poder das classes
dominantes sobre o proletariado não reside somente no controle dos aparatos
repressivos do Estado, mas na hegemonia cultural que as classes dominantes
exercem sobre as dominadas, através do controle do sistema educacional, das
instituições religiosas e dos meios de comunicação. Diz Olavo de Carvalho:
Para Gramsci, o conceito de
“verdade” é burguês. Ele traz ao Marxismo o pragmatismo de seu mestre Antonio
Labriola. Nesta, "verdade" não é o que corresponde a um estado
objetivo, mas o que pode ter aplicação útil e eficaz numa situação dada.
Enxertando o pragmatismo no marxismo, Labriola e Gramsci propunham que se
jogasse no lixo o conceito de verdade: na nova cosmovisão, toda atividade
intelectual não deveria buscar mais o conhecimento objetivo, mas sim a mera
"adequação" das idéias a um determinado estado da luta social. Nesta
nova cosmovisão, não haveria lugar para a distinção - burguesa, segundo Gramsci
- entre verdade e mentira. Uma teoria, por exemplo, não se aceitaria por ser
verdadeira, nem se rejeitaria por falsa, mas dela só se exigiria uma única e
decisiva coisa: que fosse "expressiva" do seu momento histórico, e
principalmente das aspirações da massa revolucionária. Dito de modo mais claro:
Gramsci exige que toda atividade cultural e científica se reduza à mera
propaganda política, mais ou menos disfarçada.
Herbert Marcuse, outro famoso
marxista da Escola de Frankfurt, já propusera que "o conceito geral que
foi desenvolvido pela lógica discursiva tem seu fundamento na realidade da
dominação." Ora, resta evidente que, para o marxismo, não havemos de
recorrer às noções da Verdade ou da Lógica, pois fazer isso é sujeitar-se à
ideologia dominante. Deste modo, para o marxista as demais coisas são julgadas
a partir de seu único fim: a revolução. Daí observamos um total desprezo pela
tradição clássica na cultura acadêmica contemporânea, qualquer apelo à Lógica é
visto como uma tentativa de opressão do burguês contra o proletário oprimido
(por proletário, hoje, pode-se entender "homossexual",
"maconheiro da USP", etc.). Isso explica a animosidade contemporânea
contra a Igreja Romana, o Cristianismo, os valores da família e demais instituições
tradicionais e, por isso mesmo, inimigas do marxismo. Pode-se encontrar dezenas
de afirmações como essas em qualquer marxista proeminente, bem como no próprio
Manifesto do Partido Comunista.
Passemos para o próximo ponto,
mas não antes de citarmos as palavras de Mao Tse-Tung:
"A superação do velho pelo novo
é a universal e eternamente inviolável lei do mundo... Tudo encerra uma
contradição entre seu novo aspecto e seu velho aspecto, que constitui uma
intrincada série de lutas... No momento em que o novo aspecto ganha a posição
dominante sobre o velho aspecto, a qualidade da velha coisa transforma-se na
qualidade da nova coisa. Assim, a qualidade de uma coisa é fundamentalmente
determinada pelo aspecto principal da contradição que ganhou a posição
dominante."
Assim, não nos resta dúvida de
que o que rege o pensamento, a moral e os valores marxistas são uma única
coisa: a revolução, ou, nas palavras de Mao, o "novo".
Gramsci e o Intelectual Orgânico
Gramsci não entende o homem
como um produto natural, mas como produto histórico; como produto de
específicas relações sociais e, ao mesmo tempo, como indivíduo dotado de
singularidade insuprimível.
Considerando que o homem é
sujeito de sua história, Gramsci propõe a difusão da cultura humanista e
filosófica no âmbito da classe operária e dos "subalternos" de um
modo geral; a formação do hábito de pesquisa, método e disciplina nos estudos;
e a valorização da vontade moral.
Se o homem é sujeito da
história, cabe a ele transformá-la subvertendo os valores tradicionais, e isso
não será feito sem o intelectual. Cabe ao intelectual dar sentido à hegemonia
do grupo social dominante, daí a importância de formar intelectuais com valores
trabalhistas para que, então, a revolução seja bem-sucedida. A classe
trabalhadora deveria produzir seus próprios intelectuais.
Gramsci difere entre dois
tipos de intelectuais: (1) O intelectual orgânico, vinculado a uma
"consciência de classe"; e (2) o intelectual tradicional, vinculado à
anterior constituição histórica. Na briga pela hegemonia, os intelectuais
orgânicos buscam absorver os tradicionais num processo em que o conhecimento se
subordina à ação social.
A missão de Gramsci é
catequizar outros intelectuais, que catequizarão lideranças de sindicatos e
movimentos sociais, e estes haverão de mesclar o saber técnico e ideológico a
sua práxis já testada e maturada no cotidiano social e do trabalho. Unidos na
subversão dos valores tradicionais e do senso-comum. Gramsci é de uma sutileza
vil.
Não é por acaso, portanto, que
as universidades brasileiras estão repletas de esquerdistas militantes. A
cosmovisão marxista está presente explicitamente na filosofia e demais ciências
humanas e, até mesmo, de forma mais suti,l na exegese bíblica. Há quem aponte,
como fruto disso, para a "esquerdização" dos departamentos de
informação, conhecimento e inteligência.
Gramsci e a Escola
Para Gramsci a escola tinha um
importante papel na análise da sociedade moderna. A escola era só mais um
sistema de hegemonia ideológica onde os indivíduos eram direcionados a manter o
status quo. A escola para Gramsci "deveria levar a criança até o ponto de
escolha da profissão, formando-a durante esse tempo como uma pessoa capaz de
pensar, estudar e governar - ou controlar aqueles que governam" (Gramsci
1971 p40)
Esse tipo de escola só poderia
alcançar algum sucesso com a participação ativa dos alunos e, para que isso
acontecesse, a escola deveria estar relacionada à vida cotidiana. O aprendiz
deve ser ativo e não um "recipiente mecânico e passivo". O ensino
deve educar a partir da realidade viva do trabalhador.
Gramsci defende uma escola não
técnica, como era nos tempos de Mussolini, mas ele defende o que ele chama de
"ensino desinteressado", ou seja, que interessa não apenas ao
indivíduo, mas à coletividade. A educação deveria formar não só técnicos, mas
intelectuais.
Na escola prevista por
Gramsci, as classes desfavorecidas poderiam se inteirar dos códigos dominantes,
a começar pela alfabetização. A construção de uma visão de mundo que desse
acesso à condição de cidadão teria a finalidade inicial de substituir o que
Gramsci chama de senso comum - conceitos desagregados, vindos de fora e
impregnados de equívocos decorrentes da religião e do folclore. Com o termo
folclore, o pensador designa tradições que perderam o significado, mas continuam
se perpetuando. Para que o aluno adquira criticidade, Gramsci defende para os
primeiros anos de escola um currículo que lhe apresente noções instrumentais
(ler, escrever, fazer contas, conhecer os conceitos científicos) e seus
direitos e deveres de cidadão. Foi Gramsci quem trouxe à pedagogia o conceito
de formação da cidadania como um dos objetivos da escola.
Tudo isso marcou sua
indispensável contribuição à área educacional (formal e informal). Gramsci
chamou a atenção da escola, para que a mesma "não hipotecasse o futuro dos
alunos; nem obrigasse suas vontades, inteligências, consciências e informações
a se moverem na bitola de um trem com estação marcada", e sempre foi
contra o "abstratismo didático e doutrinário". Almejava a formação
"onilateral" do homem (integral, técnica e política). Seu método de
ensino para o 2.o grau e Universidade, consistia "na investigação, no
esforço espontâneo e autônomo do discente, e no qual o professor exerce apenas
uma função de guia amigável".
Termino com uma citação de
Olavo de Carvalho: “Como o que interessa [para Gramsci] não é tanto a convicção
política expressa, mas o fundo inconsciente do "senso comum", Gramsci
está menos interessado em persuasão racional do que em influência psicológica,
em agir sobre a imaginação e o sentimento. Daí sua ênfase na educação primária.
Seja para formar os futuros "intelectuais orgânicos", seja
simplesmente para predispor o povo aos sentimentos desejados, é muito
importante que a influência comunista atinja sua clientela quando seus cérebros
ainda estão tenros e incapazes de resistência crítica. “
Pesquisa e Texto: Vitor Grando
Pereira, publicado originalmente em 02-11-2010 no blogue “Despertai, Bereanos!”
e revisado no dia 02-11-2011
Referências Bibliográficas:
Edição: JP
Leia também:
O lulopetismo está seguindo a cartilha de Gramsci à risca, aplicando tudo o que atribuíam aos seus desafetos e criando mais iniquidade, imundície e desvirtuamento moral "em nome do povo".
ResponderExcluirDisse tudo (e mais alguma coisa!)
ResponderExcluirAbração./-
É exatamente essa a fonte dos "lulismos" e afins: o gramscianismo.
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