A viagem que mudou o mundo
Antes da chegada de Vasco da
Gama á Índia o mundo estava dividido em compartimentos estanques; nesse dia
começou a "aldeia global"
![]() |
NA ÍNDIA Vasco da Gama faz-se receber pelo samorim, ou rajá, de Calecute |
Luís Almeida Martins
A inauguração, em 1998, da
enorme Ponte Vasco da Gama, sobre o estuário do Tejo, veio finalmente
constituir uma homenagem pública permanente àquele que foi - e é - um dos mais
famosos portugueses de sempre. Ao lado de Vasco da Gama, com projeção mundial equivalente
só existem mesmo o Infante D. Henrique e o entre nós demasiado
"esquecido" Fernão de Magalhães (que organizou a primeira viagem à
volta do mundo, mas ao serviço da Espanha). Sim, porque - falando a sério - as
"glórias" futebolísticas são não apenas efémeras mas sobretudo
irrelevantes.
Quase toda a gente sabe dizer
de cor que "Vasco da Gama descobriu o caminho marítimo para a Índia".
Mas esta frase feita pode gerar alguma confusão: se ele descobriu o caminho
marítimo, era porque o caminho terrestre já era conhecido. E é verdade. Só que
ninguém ia à Índia por terra. Da Índia, o que interessava na Europa eram as
especiarias, que nesse tempo valiam quase tanto como o ouro. Quem trazia esses
produtos para o Ocidente eram os marinheiros árabes, que os deixavam na zona de
Suez. As mercadorias atravessavam o
istmo às costas de camelos para serem embarcadas em navios da República de
Veneza, que por sua vez os vendia, mais caros do que os olhos da cara, nas
praças europeias. A certa altura (concretamente em 1453), para agravar ainda
mais as coisas, a tomada de Constantinopla pelos turcos complicou a navegação
no Mediterrâneo oriental, fazendo disparar os preços das cobiçadas e já
caríssimas especiarias. Só havia uma solução: ir buscá-las diretamente ao Oriente.
Mas para isso era preciso encontrar um caminho seguro, que não passasse pelas
águas turcas ou árabes.
Quem teve a ideia foi D. João
II, o mesmo rei que já vimos atrás a assinar o Tratado de Tordesilhas com a
Espanha. Mas entretanto esse estadista visionário morrera sem deixar herdeiro
direto (o filho morrera num acidente), sucedendo-lhe o cunhado, D. Manuel I.
Foi dessa missão de encontrar o caminho marítimo para a Índia que o novo
soberano incumbiu Vasco da Gama.
Nesse ano de 1497, em que
partiu a expedição, já Bartolomeu Dias tinha conseguido navegar do Atlântico
para o Índico, abrindo aos portugueses a porta deste mar, e também já Pero da
Covilhã, que chegara à Índia disfarçado, num navio muçulmano, transmitira
informações geográficas que se revelariam preciosas.
Vasco da Gama não era um
navegador, e foi por ser fidalgo (o pai era alcaide-mor de Sines) que o rei o
encarregou de comandar a esquadra, composta pelas naus S. Gabriel, S. Rafael e
S. Miguel e pela caravela Bérrio. Partiram a 8 de julho, fizeram escalas nas
Canárias e em Cabo Verde e descreveram depois uma grande volta pelo oceano,
quase tocando no Brasil, para "atacarem" decididamente o cabo da Boa
Esperança, que dobraram no final do ano.
Passaram depois a navegar em
águas desconhecidas dos europeus, descobrindo com espanto que na costa oriental
da África havia cidades muito mais civilizadas do que os lugarejos da costa
atlântica. Estavam na zona de influência árabe, o mundo marítimo e comercial do
Sindbad o Marinheiro de As Mil e Uma Noites. Gama e as suas tripulações viveram
ali intensas aventuras - ciladas, combates, fugas arriscadas - até conseguirem
encontrar um piloto conhecedor do Índico e do regime das monções que os
conduziu à costa indiana do Malabar, atravessando o mar Arábico.
Em Kozhikode, a que os
portugueses chamaram Calecute, no atual estado indiano de Kerala, onde
aportaram em 20 de maio de 1498, viveram ainda mais aventuras, dignas da
imaginação de Emílio Salgari e da interpretação de Errol Flynn. O soberano
local, um rajá chamado Samutiri Manavikraman, que tanto era amigo como inimigo
de Gama, ficou registado nas nossas crónicas com o nome de Samorim de Calecute.
Mas tudo acabaria por correr bem e Gama regressou a Lisboa com os porões
carregados de especiarias.
Esta triunfal viagem não só
lançou as bases do efémero império português do Oriente, como inaugurou a
primeira era de globalização, a que o famoso historiador inglês Arnold Toynbee
chamou Era Gâmica (do nome de Vasco da
Gama).
No rasto dos portugueses,
outras potências europeias lançaram-se depois ao assalto da Ásia e da África, e
a História do mundo entraria numa nova fase: a da "aldeia global".
É ou não é verdade que se
justificava plenamente o feriado de 20 de maio, data da chegada dos portugueses
a Calecute, exatamente 500 anos antes da inauguração da Ponte Vasco da Gama?
Título, Imagem e Texto: Luís Almeida Martins, revista Visão, nº
981, 28-12-2011
Anterior: Portugal, superpotência mundial
Continua
em: 10 datas que nunca foram feriado: Nasce o "imenso...
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-