Nasce o 'imenso Portugal'
Com a "descoberta"
do Brasil por Pedro Álvares Cabral, Portugal passou a ter o tamanho de um
continente. Se a língua e a matriz lusas têm peso no mundo, é sobretudo graças
ao gigantesco "país irmão"
DESEMBARQUE DE CABRAL Os índios assistem surpreendidos à chegada dos estranhos forasteiros saídos de gigantescas canoas |
Luís Almeida Martins
Encontrado por Vasco da Gama o
caminho marítimo para a Índia, o comando da segunda esquadra com destino à
terra das especiarias foi confiado a Pedro Álvares Cabral. E eis que, por um
erro de navegação difícil de admitir, a maior frota constituída pelos portugueses
até então (mais de mil homens embarcados em dez naus, duas caravelas e uma
naveta de mantimentos) se aproximou demasiado da costa da América do Sul e, no
dia 22 de abril de 1500, "descobriu" o Brasil. Mas não parece que
Cabral e os seus navegadores fossem tão incompetentes ao ponto de irem chocar
com a América quando pretendiam contornar a África.
Na verdade, é quase certo que
não foi este o primeiro contacto dos portugueses com a maior e mais rica das
suas futuras colónias. Ao mesmo tempo que, sem o esconderem, procuravam no Sul
da África uma passagem para a Índia, os navegadores de D. João II e D. Manuel I
aventuravam-se em segredo nas ondas do Atlântico bravio, a oeste, à procura de
um continente desconhecido que por aí constava que existia. O futuro Brasil
terá assim sido alcançado em 1492 por João Coelho e mais tarde, em 1498, por
Duarte Pacheco Pereira. O segredo destas viagens devia-se ao facto de D. João
II estar a negociar com os espanhóis o traçado do meridiano que dividia o mundo
em duas esferas de influência: o Tratado de Tordesilhas de que já falámos
atrás.
Mas o que interessa é que,
cometendo voluntária e alegremente o tal suposto erro de navegação grosseiro,
capaz de fazer corar um piloto digno desse nome, Cabral "descobriu"
oficialmente o Brasil, destinado a ser durante mais de 300 anos a maior, mais
rica e mais importante das colónias portuguesas.
Já agora, querem saber como eram os primitivos habitantes do Brasil no momento da "descoberta"? Então leiam esta passagem da célebre carta a D. Manuel I escrita por Pêro Vaz de Caminha, o escrivão que seguia na frota de Cabral: "Andavam entre eles quatro ou cinco mulheres novas que, assim nuas, não pareciam mal. Entre elas andava uma com uma coxa, do joelho até o quadril e a nádega, toda tingida daquela tintura preta, e todo o resto da sua cor natural. Outra trazia ambos os joelhos com as curvas assim tintas, e também os colos dos pés; e suas vergonhas tão nuas, e com tanta inocência assim descobertas, que não havia nisso desvergonha nenhuma. Todos andam rapados até por cima das orelhas; assim mesmo de sobrancelhas e pestanas. Trazem todos as testas, de fonte a fonte, tintas de tintura preta, que parece uma fita preta da largura de dois dedos. Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como se os houvesse ali. Mostraram-lhes um carneiro; não fizeram caso dele. Mostraram-lhes uma galinha; quase tiveram medo dela e não lhe queriam pôr a mão. Depois pegaram-lhe, mas como que espantados. Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, pastéis, mel, figos passados. Não quiseram comer daquilo quase nada; e se provavam alguma coisa, logo a lançavam fora. Trouxeram-lhes vinho numa taça; mal lhe puseram a boca; não gostaram nada dele, nem quiseram mais. Trouxeram-lhes água numa bilha, provaram cada um o seu bochecho, mas não beberam; apenas lavaram as bocas e lançaram-na fora. Viu um deles umas contas de rosário brancas; fez sinal que lhas dessem, e folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço; e depois tirou-as e meteu-as em volta do braço, e acenava para a terra e novamente para as contas e para o colar do Capitão, como se dessem ouro por aquilo."
O indianismo tem fascinado
gerações de brasileiros desde que o escritor romântico José de Alencar
escreveu, no século XIX, os romances O Guarani e Ubirajara. O Brasil é isto:
uma permanente interação entre os elementos português e indígena, numa mistura
inicial logo enriquecida pelo contributo africano dos escravos "importados"
e depois caldeada com o que levavam na bagagem os emigrantes chegados de toda a
parte. Mas uma coisa é certa: em Badajoz estamos no estrangeiro, ao passo que
no Rio de Janeiro nos sentimos em casa.
Seriam precisos mais argumentos a favor de um feriado nacional na data
da "descoberta" do Brasil?
Anterior: A viagem que mudou o mundo
Continua em: O verdadeiro Dia da Restauração
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