sábado, 14 de janeiro de 2012

Salvem-se os pastéis de nata e de bacalhau

António Ribeiro Ferreira
As reformas já eram, os impostos vão aumentar. Acabou mais uma grande ilusão.


O filme está aí, é de má qualidade e já não provoca grandes excitações. As tais grandes reformas estruturais, que muitos consideram urgentes e absolutamente necessárias para o país ter uma economia saudável, que crie riqueza e postos de trabalho, estão todas a caminho do enorme caixote do lixo das boas intenções de políticos, patrões e sindicatos. O Estado está e vai continuar na mesma, com mais ou menos reformados e mais ou menos cargos dirigentes; na justiça ninguém se atreve a mexer a sério; o arrendamento é já um fracasso anunciado, com os despejos enterrados nas secretarias dos tribunais; as leis do trabalho são um jogo demasiado pornográfico em que os actores principais fazem cenas obscenas, indignas de serem vistas por crianças e adultos. É por essas e por outras que já ninguém abre a boca de espanto quando o ministro das Finanças organiza uma megaconferência sobre as grandes reformas estruturais. Deve ser bonito ver os mesmos que nunca quiseram reformar coisa alguma juntarem-se todos num enorme acontecimento, com uma espectacular cobertura mediática e directos para todos os gostos e inteligências. Deve ser muito bonito ouvir intervenções espantosas dos maiores crânios da pátria sobre as tais reformas estruturais, as grandes, as decisivas, as fundamentais, as sete maravilhas que irão transformar Portugal num país moderno, racional, amigo dos negócios, da iniciativa privada, do mercado, da concorrência e de tudo o que é preciso para a economia ser uma realidade positiva e não um pesadelo, e o trabalho ser isso mesmo, trabalho, e não uma via-sacra para quem pretende criar empregos.
Essa grande conferência sobre as grandes reformas estruturais é, em si mesma, o sinal mais do que óbvio de que o governo já desistiu de mexer no enorme caldeirão de interesses instalados há muitos anos na sociedade portuguesa. Criar um grupo de trabalho, uma unidade de missão, uma comissão ou algo do género revela sempre uma enorme incapacidade para alterar seja o que for. Organizar uma enorme conferência sobre as reformas estruturais é o mesmo que marcar uma missa solene em que estão presentes os cadáveres de todas as intenções, programas e mesmo propostas bem-intencionadas sobre os grandes nós górdios deste país que, mais cedo do que tarde, se arrisca a ir na enxurrada da crise europeia para destino incerto e pobreza absoluta garantida. Acabada a ilusão reformista, mais uma que nos embalou durante alguns meses, resta tentar cumprir as metas do défice à conta de mais austeridade para as pessoas e empresas, isto é, à custa da subida dos impostos. As trapalhadas com o Orçamento do Estado para este ano e a imensa confusão lançada com a transferência dos fundos de pensões dos bancos para a Segurança Social mostram que já nem Vítor Gaspar é o homem certo no lugar certo para pôr o Estado e as finanças públicas na ordem. No meio desta desgraçada e vil pobreza, já nem o óbvio é levado a sério. Podem zombar do ministro da Economia, mas os pastéis de nata e de bacalhau são duas pérolas nesta imensa lixeira lusitana a céu aberto.
Título, Imagem e Texto: António Ribeiro Ferreira, jornal “i”, 14-01-2012

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