Ontem à noite, após o anúncio
da eleição do novo papa, esquecendo as piadas de gosto mais ou menos duvidoso, “já
fiquei sabendo” que o Papa Francisco tinha sido amigo da ditadura argentina
(fotos dele com o General Videla apareceram nas redes sociais), enfim… percebi
que já havia iniciado o movimento para desqualificá-lo, descontrui-lo. É
impressionante como a sociedade ocidental cria e alimenta os seus próprios
monstros, isto é, os monstros que só querem destruir a própria sociedade
ocidental, uma verdadeira autofagia. Como não canso de afirmar, esses monstros
são covardes pois não se atrevem a ir pastar a sua indignação em paragens nas
quais arriscam o paredón, se é que me
entendem…
Outros bobões gritam
obviedades, como esta no jornal português, Diário de Notícias, “Novo Papa é contra o casamento homossexual” (!) Ora, muito provavelmente, também
deve ser contra o aborto, as drogas, o ateísmo, o swing, sei lá mais o quê!! O
que querem? Que o Papa, supremo sacerdote do catolicismo, defenda “valores” do
islão? Que venda o Vaticano e transfira a ICAR para, por exemplo, Havana,
paraíso da igualdade e fraternidade?! Putz! Vão catar coquinhos, cambada de…!
Bom, como sempre acontece, eis
que me deparo com este texto de Reinaldo Azevedo que diz, de forma inequívoca,
aquilo que penso. De maneira muito melhor àquela que se eu me atrevesse a escrever…
![]() |
Imagem daqui |
Também começaram a circular os
ataques ao papa Francisco por conta de sua censura ao casamento gay e à adoção
de crianças por pares homossexuais. Aqui e ali, com ares de indignação, quase
de escândalo, lembrava-se ainda que o novo papa se opõe ao aborto, a pesquisas
com embriões humanos e defende as regras de relacionamento amoroso e concepção
da… Igreja Católica! Meu Deus! Para onde caminha este mundo louco, não é mesmo?
Com que então os cardeais escolheram para conduzir a Igreja Católica alguém que
defende os fundamentos da… Igreja Católica!? Fico cá me perguntando por que,
afinal, esses benfeitores da humanidade, tão convencidos de que o Vaticano é um
covil de reacionários, não vão testar as suas teses progressistas em países que
tiveram a ventura de não passar pela “ditadura católica” — como os muçulmanos,
por exemplo. Teerã… É! Penso em Teerã, capital do Irã, cujo presidente,
Mahamoud Ahmadinejad, é tão amigo dos “companheiros” brasileiros… Teerã me
parece um bom lugar para essa militância, livre do, como é mesmo?, “peso do
mundo judaico-cristão”…. Só tomem cuidado com os guindastes. Quando virem
algumas pessoas penduradas, elas não estão trabalhando…
“Ah, o Reinaldo acha que a
gente não tem o direito de se expressar aqui mesmo; quer mandar a gente para o Irã…”
Uma ova! Eu acho que vocês têm o direito de pedir o que lhe der na telha, mas
têm também o dever de permitir que a Igreja seja Igreja — uma entidade que,
embora aspire a valores universais, fala aos seus e não exerce poder de estado.
Adere a ela quem quer. “Mas não tenho o direito de ser gay e ser católico”? Não
se tem notícia de que a Igreja tenha expulsado de um de seus templos quem quer
que seja. Também é uma mentira escandalosa que a religião promova a perseguição
a este ou àquele. A instituição tem, no entanto, a sua concepção do que seja a
família natural — e acho difícil que isso mude algum dia. Mas é evidente que
reconhece a existência da homossexualidade e da vida em comum de parceiros
homossexuais como realidade de fato. Só não aceita que tenha o mesmo status da
“família natural”. Aí grita alguém: “Por quê? É inferior?” Não! É outra coisa,
que a instituição não aceita como parâmetro.
Qual é o problema? Apesar da
oposição da Igreja Católica da Argentina ao casamento gay e à possibilidade de
adoção, a lei foi aprovada, não foi? O que me pergunto é por que não basta aos
militantes da causa vencer. Por que, afinal de contas, exigem que a Igreja
Católica comungue de seus mesmos valores? Fico muito impressionado que a
escolha de um papa e a indicação do presidente de uma comissão do Congresso
brasileiro tenham de necessariamente ser filtrados por essa pauta. Parece que a
Igreja Católica, especialmente nas reportagens de TV, não tem mais nenhum
desafio pela frente. Parece que aquela que é a maior instituição educacional do
mundo, a maior instituição de benemerência do mundo, a maior rede de
atendimento médico do mundo — só para citar alguns dos aspectos, digamos,
mundanos da Igreja — agora se define por sua opinião sobre o… casamento gay!
Tenham paciência!
“Reinaldo está querendo dizer
que milhões de pessoas não têm importância…” Não! Estou afirmando que a pauta
da Igreja Católica é outra, ora essa! Eu sei que é chato ser um tanto óbvio,
mas a medida da instituição, apesar de todos os seus desvios — porque feita por
homens imperfeitos — é o exemplo deixado por Jesus Cristo e as verdades
reveladas (assim creem os católicos) nos Evangelhos. É uma perda de tempo, um
desperdício de energia e, no fundo, uma estupidez cobrar que ela renuncie a
seus fundamentos.
A Igreja não abrirá mão do que
considera a “família natural”; não cederá aos apelos em favor da descriminação
do aborto; não acatará a destruição de embriões humanos em nome da pesquisa
científica; não dará seu endosso à dissolução do casamento; não cederá, ATENÇÃO
PARA ISTO!, ao pragmatismo do capitalismo, do liberalismo (e é um liberal que
escreve) etc. Não fará nada disso porque o seu diálogo com o mundo moderno
consiste em amparar quem sofre no… mundo moderno, mas não em ceder a seus
apelos. A Igreja Católica pode beijar os pés dos que considera “pecadores”, mas
não aceitará jamais o seu pecado. E essa talvez seja a dimensão mais
incompreendida da instituição.
Quando se diz que a igreja ama
o pecador, mas não o pecado, não se está fazendo mero jogo de palavras. Todo
homem, mesmo o mais vil, é digno de piedade, mas isso não quer dizer que
possamos concordar com seus malfeitos.
Nessas horas, sempre me vem à
mente o exemplo notável do advogado católico Sobral Pinto. Anticomunista
ferrenho, foi advogado, não obstante, de Luiz Carlos Prestes e Harry Berger
(Arthur Ewert era seu nome real), que lideraram o levante comunista de 1935. Presos,
foram barbaramente torturados pelo regime getulista. Entrou para a história a
estratégia de Sobral, que evocou para defendê-los a Lei de Proteção aos
Animais. Sim, ele abominava o comunismo, mas isso não o fazia abominar as
PESSOAS comunistas. Submetidas que estavam a um tratamento desumano,
inaceitável, injusto, Sobral fez o seu trabalho de advogado e viveu na prática
o mandamento de sua religião. Bem, todos sabemos o que os comunistas fizeram
com os cristãos quando e onde chegaram ao poder, não é mesmo? Será que Prestes,
ele mesmo, teria salvado a cabeça de Sobral Pinto? Acho que não… Findo o Estado
Novo, subiu ao palanque do Getúlio que havia liderado o regime que o torturara
e que mandara para a Alemanha nazista a sua mulher, Olga Benário, que era judia
e estava grávida. Como Prestes conseguiu fazer aquilo? Alguns, acreditem!,
chegam a admirá-lo por isso. Fez porque ele tinha uma causa que considerava
mais importante: a luta contra o imperialismo. Ora, se essa luta o fazia dar as
mãos a um mostro, ela também poderia fazê-lo mandar para o paredão um anjo, não
é?
“Por que essa viagem,
Reinaldo?” Não é viagem nenhuma, não! Só estou deixando claro que os
fundamentos do catolicismo não estão e não podem estar sujeitos a certas
contingências. A Igreja pode e deve ser mais célere em buscar meios que
facilitem a divulgação de sua “mensagem”, da “Palavra”, mas não contem com a
possibilidade de que ela se transforme numa ONG, cujo rumo seja ditado pela
“minoria democrática”, esse conceito tão singular criado pela militância
influente, à qual a imprensa adere gostosamente. Uma igreja é feita por seus
fiéis. Nesse sentido, deve-se abrir para o povo. Mas uma religião, prestem
atenção!, conduz em vez de ser conduzida. Quem tem de se submeter à maioria
democrática é o estado laico — e, ainda assim, é preciso que o faça segundo
critérios muito claros, ou o mundo regride para o estado da natureza, para a
luta de todos contra todos. A Igreja não é uma democracia. E faz, para lembrar
a missa, o convite para “Ceia do Senhor”.
É, insisto, um convite: “Felizes os convidados…”
Na Igreja do papa Francisco,
como na de Bento XVI, de João Paulo II e de outros tantos, há lugar pra todo
mundo, para todos nós, com todas as nossas particularidades e imperfeições.
Mas, vejam que coisa!, nem todas as ideias e as visões de mundo são aceitas
também como verdades dessa Igreja.
E me ocorre agora uma questão
interessante: nem todas as ideias e visões de mundo devem ser aceitas nas
associações GLBTs, por exemplo. Tenho a certeza de que nem mesmo gays
eventualmente contrários ao casamento gay, e eles existem, seriam considerados
bem-vindos, não é? O mesmo vale para o mundo da ciência. Cientistas que se
opõem à pesquisa com embriões humanos levam na testa a pecha de obscurantistas.
Conheço casos. Entendo. No fim das contas, os pequenos papas de suas
respectivas seitas acham inaceitável que possa existir um papa da Igreja
Católica. E saem gritando “cortem-lhe a cabeça!” em nome da tolerância.
Título e Texto: Reinaldo Azevedo, 14-03-2013
Gostava que o mesmo rigor fosse usado para outros sectores religiosos. A menos que os prezados jornalistas tenham receio de perder a cabeça. E não falo em sentido figurado...
ResponderExcluirI.B.
Pois é... ;)
ResponderExcluir