Cumprem-se em 2014 seis
décadas sobre a morte de Getúlio Vargas. Pediu-me um amigo, docente numa
universidade brasileira, que sobre Getúlio escrevesse umas linhas, destacando
as similitudes (hoje muito contestadas) entre o Estado Novo de Vargas e o
Estado Novo de Oliveira Salazar. Contentar-me-ei em enviar-lhe dentro de dias
umas quantas linhas sobre as relações luso-brasileiras no período que medeia
entre o pré-guerra e a primeira saída de Getúlio do poder, em 1945.
Quando, por força das
perseguições hitlerianas, Stefan Zweig se estabeleceu no Brasil, foi tomado de
verdadeiro entusiasmo por aquele país de dimensões continentais e riquezas
inexauríveis que o condenavam ao melhor dos futuros. Em homenagem ao
país-irmão, escreveria Brasil, País do Futuro. O entusiasmo de Zweig era
claramente suscitado por Getúlio Vargas, estadista a quem o Brasil terá ficado
a dever a finalização jurídica e administrativa do Estado, até então jugulado
pelo apetite das oligarquias localistas. Autoritário e ditatorial na sua fase
inicial (1930-45), Getúlio - que gozava de apoio popular incontestado -
voltaria ao poder democraticamente em 1950. Foi graças a Getúlio que o Brasil,
até aí uma enorme plantação de café e borracha, ascendeu à plena independência
económica. A criação da siderurgia e, mais tarde da PETROBRAS, caboucos da
industrialização em programa de nacionalismo desenvolvimentista, permitiriam
àquele país furtar-se da colonização económica norte-americana. Se as grandes
realizações materiais incluíram as obras públicas, a criação da indústria
pesada, a rede hidroeléctrica, a agro-indústria e a mineração voltadas para o
mercado mundial, nas realizações imateriais ou intangíveis poderão elencar-se o
modelo de ensino aplicado, o estímulo à investigação científica e tecnológica,
a criação de um corpo de quadros técnicos que dispensaram a ingerência da
assessoria estrangeira. Vargas assinalou o caminho. Infelizmente, o Brasil
parece não ter tido capacidade para acompanhar o visionarismo daquele homem de
excepção.
Perdeu-se o rumo, a
racionalidade e, sobretudo, a voz de comando. De Getúlio parece só não terem
gostado os paulistas, os integralistas e os comunistas: os paulistas,
derrotados na Revolução de 1932, perderam o monopólio de poder que exerciam
sobre o Estado desde a implantação da república; os integralistas de Plínio
Salgado e os comunistas de Prestes por se lhes ter escapado a oportunidade de
ouro para ali ensaiarem as respectivas utopias. Vargas foi o centro, o justo
termo, congraçador de vontades, o protector dos pobres e o promotor de elites
respeitadas e respeitadoras.
Título e Texto: Miguel Castelo Branco, Combustões, 02-05-2014
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