A votação do eleitorado, nas últimas décadas, em governos desastrosos,
que nos atiraram para os braços da troika, não constitui o menor problema, o
que é mesmo grave é a troika
Pedro Braz Teixeira
Ao chegar ao fim o programa de
resgate da troika estamos perante um país profundamente desfocado.
Parece que para a maioria dos
portugueses e, pior ainda, das "elites", o principal problema do país
são os estragos provocados pela troika. A votação do eleitorado nas últimas
décadas em governos desastrosos, que nos atiraram para os braços da troika, não
constitui o menor problema, o que é mesmo grave é a troika.
Toda a incompetência,
irresponsabilidade e corrupção dos governos das últimas décadas é uma questão
de somenos. Fizeram-se os mais ruinosos - e suspeitos - contratos públicos, mas
o problema mesmo foi a troika. Em vez de enfrentarmos o dificílimo desafio da
globalização, andámos a construir estradas sem tráfego e estádios de futebol,
mas a Merkel é que é má.
Isto é o equivalente a uma
pessoa que fumava três maços de cigarros por dia e desenvolveu um cancro do
pulmão culpar a quimioterapia pelo seu sofrimento. Como se a quimioterapia
tivesse caído do céu, por puro sadismo médico, e houvesse uma óbvia alternativa
indolor, talvez tomar uma chávena de chá esverdeado com raspas de limão ao
pequeno-almoço, almoço e jantar. E já há quem defenda que devemos voltar a
fumar dois ou três maços de tabaco por dia.
Em relação ao nosso - grave -
problema de (falta de) crescimento, o desnorte não poderia ser maior. Há 15
anos que Portugal enfrenta um problema gravíssimo e raríssimo de fraco
crescimento, que nos colocou numa trajectória de divergência estrutural da UE,
apesar de estarmos a receber fundos comunitários com o propósito de
convergirmos. Apesar destes desastrosos resultados, parece que ainda ninguém pôs
em causa o destino disparatado que tem sido dado a estes fundos, sempre na
ânsia de inventar "investimentos" absurdos, para "aproveitar os
fundos europeus".
Parece que a falta de
crescimento económico surgiu com a "malvada" troika e antes disso
vivíamos no paraíso, sem necessidade da mais leve correcção.
O capítulo das reformas
estruturais da troika, que nos permitiriam - talvez - voltar a crescer de forma
robusta, foi desvalorizado pelo governo e completamente ignorado e atacado por
todas as corporações e interesses, empenhados em permanecer as mais gulosas
sanguessugas do Estado e dos contribuintes.
Nada é mais surreal que isto.
Em vez de sermos nós a preocupar-nos com a nossa saúde, são os nossos credores
que, contra a "nossa" vontade, mais se preocupam com a nossa saúde.
Eles bem tentam que deixemos de fumar, mas "nós" insistimos em voltar
a fumar o máximo de cigarros possível. Parece que estamos empenhados em
maximizar a cigarra em "nós" e em minimizar a formiga.
Os curandeiros nacionais, numa
visão caricatural da teoria keynesiana, insistem que o nosso problema de
crescimento reside na falta de procura, apesar de o nosso crescimento miserável
dos últimos 15 anos ter convivido, quase sempre, com um excesso de procura,
obviamente visível nos nossos gigantescos défices externos, recentemente
corrigidos.
É evidente que a austeridade
teve o seu impacto recessivo, mas não é o fim da austeridade que nos vai trazer
o crescimento de volta, porque o essencial desse problema é muito mais antigo e
está do lado da oferta e não da procura.
Andam para aí umas discussões
de mudar umas décimas à austeridade, como se isso mudasse alguma coisa de
essencial, quando é uma questão completamente à margem do que é fundamental.
Para voltarmos a crescer a
sério temos de nos tornar verdadeiramente atraentes para o investimento directo
externo (IDE). Menos austeridade para gastar dinheiro em coisas que tornem
Portugal mais atraente para o IDE faz todo o sentido. Menos austeridade para
adiar reformas da despesa pública não faz sentido nenhum.
Parece que os portugueses não
aprenderam nada com aquilo que nos levou à troika e que caminhamos, na maior
das inconsciências, para o quarto resgate externo desde o 25 de Abril.
Título e Texto: Pedro Braz Teixeira, Investigador do
Nova Finance Center, Nova School of Business and Economics, jornal “i”, 21-05-2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-