André Azevedo Alves
O mais importante para os EUA – e o mundo
– é que o resultado das eleições seja aceite por todos independentemente de
quem ganhe e que as sólidas instituições do país continuem a funcionar
normalmente
O mais importante para os EUA
– e o mundo – é que o resultado das eleições seja aceite por todos Contra quase
todas as expectativas iniciais, Donald Trump ganhou as primárias republicanas e
tornou-se o mais heterodoxo candidato presidencial do GOP desde há muitos anos.
Uma vez dado esse passo, as expectativas e previsões apontavam quase em
uníssono para um passeio fácil de Hillary Clinton até um triunfo eleitoral
expressivo e inequívoco. A poucos dias das eleições presidenciais nos EUA, e
uma vez mais contra quase todas as expectativas iniciais, Trump parece ter pelo
menos algumas hipóteses reais de ser o próximos Presidente dos EUA.
Que um candidato tão
unanimemente denunciado e desprezado pelo establishment político-mediático
(incluindo segmentos importantes e influentes do próprio Partido Republicano)
tenha conseguido chegar a esta situação é verdadeiramente extraordinário. O
enorme ego de Donald Trump não o deixará ver as coisas assim em caso de derrota
mas chegar a este ponto constitui já uma vitória independentemente do resultado
das eleições. Uma vitória que, por muito que se possa não gostar de Trump,
importará mais compreender do que condenar.
Compreender o caminho para a
vitória de Trump só é possível se se perceber que a sua dinâmica de campanha
desde o início das primárias republicanas assentou em alimentar-se do ódio
contra ele dirigido. Trump foi extremamente hábil a converter a atenção
mediática que lhe foi dada pelos seus múltiplos atacantes em dois activos preciosos:
tempo de antena grátis na comunicação social e a construção de uma imagem de
outsider, atacado por todos os lados por não alinhar com o sistema vigente.
Essa imagem é, em muitos
aspectos, contra-natura para Trump. Afinal, ainda há poucos anos atrás Trump
elogiava publicamente Bill e Hillary Clinton e fazia parte do respectivo
círculo de amizades e influências.
Uma proximidade aliás
reflectida na amizade próxima que une Ivanka Trump e Chelsea Clinton. E pela
sua própria actividade empresarial, Trump é desde há décadas muito mais um
insider do que um outsider do sistema que denuncia. Mas até esse aspecto Trump
conseguiu fazer reverter a seu favor sugerindo que conhece bem os vícios do
sistema vigente porque os tem usado a seu favor ao longo dos anos.
Ainda assim, a imagem e
habilidade táctica de Trump de nada valeriam se não houvesse uma base popular
de apoio receptiva à sua mensagem. Sobre esse aspecto, recomendo a análise de José Manuel Fernandes e, para quem tenha tempo para uma
reflexão mais aprofundada, o livro de Charles Murray, Coming Apart: The
State of White America, 1960-2010, publicado antes do fenómeno Trump mas
que de alguma forma antecipa quase na perfeição a sua base sociológica.
A candidatura de Trump – mais
ainda: o movimento popular e populista a ela associado – acaba por ser um
veículo de múltiplas frustrações e revoltas. Desde vastos segmentos blue-collar que
sentem ter ficado para trás com a globalização até pequenas faixas mais
ideológicas como a nova direita revolucionária agregada na alt-right ou
elementos associados ao paleo-conservadorismo que vêem no candidato um
improvável némesis na sua cruzada de longa data contra o neoconservadorismo,
Trump consegue ser coisas muito diferentes para grupos muito diferentes.
Perspectivando Trump como um
pragmático (numa leitura simpática) ou como um oportunista (numa leitura menos
simpática), as suas posições mais preocupantes são muito provavelmente as
associadas à retórica proteccionista. Dada a importância da globalização para
promover o desenvolvimento e retirar da pobreza e melhorar a vida de centenas
de milhões de seres humanos, uma deriva proteccionista nos EUA constitui um
enorme risco para a economia de todo o mundo.
Ainda assim, também neste
aspecto Trump poderá ser mais sintoma do que causa. Afinal, Bernie Sanders
quase ganhava as primárias democratas empregando uma retórica igualmente
proteccionista e a própria Hillary Clinton inverteu posições anteriores
passando agora a denunciar a NAFTA e a declarar a sua oposição ao TPP. Isto ao
mesmo tempo que os chavões anti-globalização capitalizam também na Europa e
unem sob a mesma bandeira, por exemplo, Marine Le Pen e a extrema-esquerda
portuguesa.
Ao contrário do que muitos
analistas previram de forma repetida (e não raras vezes arrogante), não creio
que Hillary vá ter uma vitória esmagadora. As sondagens mais recentes apontam
para que tudo está em aberto, ainda que com alguma vantagem para Clinton. O
mais importante para os EUA – e para o mundo – é que o resultado das eleições
seja aceite por todos independentemente de quem ganhe e que as sólidas
instituições do país continuem a funcionar normalmente.
O sistema de checks
and balances da Constituição dos EUA já deu no passado amplas provas
de robustez e, neste contexto, não será porventura excessivamente optimista
esperar que possa resistir a Trump e Hillary. Mas talvez o mais interessante
nestas eleições seja constatar que uma candidata como Hillary (quase) só
poderia ganhar tendo como adversário um candidato como Trump e que, por sua
vez, um candidato como Trump (quase) só poderia ganhar tendo como adversária
uma candidata como Hillary. Depois de oito anos de Obama e da retórica vazia de Hope
and Change, é este o estado da política nos EUA.
Título e Texto: André Azevedo Alves, Professor do
Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, Observador,
5-11-2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-