João
Marques de Almeida
A eleição de um político como Bolsonaro
para Presidente do Brasil obriga-nos a procurar explicações e é mais útil
estudar as razões dessa ruptura do que integrar o coro que se limita a gritar
fascista
David Dinis escreveu uma
carta (no ECO) aos seus “amigos do Observador” onde os critica por
“justificarem e normalizarem” Bolsonaro. Num artigo mais recente, vai mais
longe e insinua que esses seus amigos fizeram uma “festa com a eleição de
Bolsonaro.” Em circunstâncias normais, não perderia um minuto a responder ao
DD. Mas acontece que, sem me citar e sem nunca referir o meu nome, ele
inclui-me nesses “amigos” e nessa “direita”, fazendo um link para um artigo
meu.
Lamento que DD não tenha a
coragem de atacar diretamente os meus argumentos, procurando mostrar onde
discorda e onde julga que estou errado. Pelo contrário, DD constrói e ataca uma
generalização, os “amigos do Observador” ou a “nova direita.” Chegou mesmo ao
extremo de se referir à “Opinião do Observador” como se o Observador tivesse
uma única opinião. Ele que foi diretor do Observador sabe muito bem que não é
assim. Há muitas opiniões no Observador e bem diferentes umas das outras. Esta
desonestidade de quem tão bem conhece o Observador é inaceitável. A sua carta
começa de resto com outra desonestidade intelectual, comparando Chávez a
Bolsonaro. O truque é óbvio. Colocar os seus “amigos do Observador” no mesmo
plano dos radicais do Bloco de Esquerda que sempre apoiaram Chávez. Mas há uma
diferença enorme meu caro David: nós sabemos o que Chávez fez na Venezuela, mas
ainda não sabemos o que Bolsonaro vai fazer. Se Bolsonaro repetir no Brasil o
que Chávez fez na Venezuela, serei o primeiro a atacar Bolsonaro. Sou incapaz
de garantir que não o fará, mas também não sei se o fará. Até lá guardo a minha
avaliação. Para criar uma polémica, não vale usar os truques mais rasteiros.
A carta de DD não é sobre o
Brasil. Bolsonaro é apenas um pretexto para atacar o Observador. DD percebeu
que há neste momento em Portugal um mercado para atacar a “direita do
Observador.” Precisa, contudo, de afastar o problema de ter sido o diretor
fundador. A narrativa aparece na carta e é desenvolvida num artigo mais
recente. Enquanto DD foi diretor, o Observador encontrava-se na direita
liberal. Desde que saiu, radicalizou-se para a direita. É lamentável que um
antigo director do Observador, da TSF e do Público (em cerca de três anos, o
que deve ser um recorde nacional) chegue ao ponto de sentir a necessidade de
atacar de um modo desonesto uma casa onde trabalhou. O que se seguirá, ataques
à TSF e ao Público?
Também procurei explicar que o
ponto central da campanha e das discussões no Brasil (no BRASIL e não em
Portugal), era o antipetismo e não Bolsonaro. A maioria dos brasileiros está
zangada com 14 anos de PT no poder e rejeitou a tentativa de um político condenado
por actos de corrupção tentar vencer as eleições apresentando um fantoche à
corrida eleitoral, tal como tinha feito com Dilma Rousseff. A atitude de Lula
constitui um acto profundamente anti-democrático que obviamente escapou a DD,
tão distraído que anda com os “amigos do Observador”. Mas, meu caro David,
compare o modo como a liderança do PS reagiu ao caso Sócrates e o modo como o
PT reagiu ao caso Lula. O PS portou-se como um partido democrático, o PT reagiu
como um movimento revolucionário obediente ao líder absoluto. Lamentável que a
tua perspicácia não entenda estes comportamentos anti-democráticos.
Para terminar, deixo uma longa
citação de Ciro Gomes, a quem ninguém pode acusar de ser de direita: “O
lulopetismo virou um caudilhismo corrupto que criou uma força antagônica que é
a maior força política no Brasil hoje. E o Bolsonaro estava no lugar certo, na
hora certa. Só o petismo fanático vai chamar os 60% do povo brasileiro de
fascista. Eu não. Não quero participar dessa aglutinação de esquerda. Isso
sempre foi sinônimo oportunista de hegemonia petista. Quero fundar um novo
campo, onde para ser de esquerda não tem de tapar o nariz com ladroeira,
corrupção, falta de escrúpulo, oportunismo. Isso não é esquerda. É o velho
caudilhismo populista sul-americano.” Meu caro David, não vou ao ponto de te
colocar ao lado do “petismo fanático”, julgo que será apenas uma questão de
falta de leitura sobre o Brasil. Se o PT tivesse apoiado Ciro Gomes, Bolsonaro
provavelmente não seria hoje presidente do Brasil. Mas Lula preferiu perder as
eleições para manter a hegemonia do PT entre as esquerdas brasileiras e para
reforçar a ficção que só ele poderia derrotar Bolsonaro.
Sem a força retórica do Ciro
Gomes, foi isto que tentei explicar. Não tenho culpa que em vez de teres
tentado perceber o que se passa no Brasil, tenhas usado as eleições brasileiras
como um pretexto para atacar o Observador. O que só mostra que seria uma
questão de tempo até te virares contra uma publicação que ajudaste a fundar. Tu
lá terás as tuas razões. Não permito é que, por essas razões, me trates como um
radical ou me coloques ao lado do Bolsonaro.
Título e Texto: João Marques de Almeida, Observador,
4-11-2018
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