sábado, 5 de outubro de 2019

Partido PAN: um lobo com pele de cordeiro

Cristina Miranda

Encontrei no Observador uma excelente análise num artigo de José Ribeiro e Castro do que nos espera se o PAN crescer na Assembleia da República. Deixo aqui para refletirem. Esta é a verdadeira face dos “amigos dos animais”:

“O programa do PAN, com 1196 propostas, é difícil de abarcar em toda a variedade. É um festival de burocracia: entre Estratégias, Observatórios, Planos, Programas, Redes, Centros, Sistemas, Inventários, Registos, Estudos, novas Secretarias de Estado e Direções-gerais, Provedores e Plataformas encontrei mais 190, aos mais diversos propósitos. A medalha de ouro atribuí-a aos (vá lá, retenham o fôlego) GLPSSAOSES: “Grupos Locais de Situação de Sem-Abrigo e Outras em Situação de Exclusão Social”. É também um festival de proibicionismo: tem 50 - propostas -50 para “abolir”, “impedir”, “interditar”, “limitar”, “proibir”, “vedar” ou “não permitir” isto ou aquilo. É amigo de lobbies que serve diligentemente, como um de psicólogos: contei 30 propostas para favorecer psicólogos, incluindo contemplar “a dedução à coleta, em sede de IRS, na categoria de despesas de saúde, de gastos com Serviços de Psicologia a qualquer área de intervenção e não apenas na área da Psicologia Clínica” – isto é, descontar como saúde gastos que não são clínicos. É um bodo de benefícios e regalias, restando explicar como é que paga tanta coisa, sobretudo depois das marteladas que o PAN propõe dar na economia – pode recear-se que o PAN, ao soltar a ideologia para fustigar o “modelo econômico extrativista-produtivista” e propor “a mudança de paradigma baseado no crescimento ilimitado”, esteja a pensar num futuro caracterizado pelo paradigma da recessão ilimitada.

O programa do PAN tem coisas de elevadíssima importância, como “incluir legendas em inglês nos ecopontos das zonas de maior afluência turística”, a par de outras talvez um nadinha intrusivas, como “promover campanhas de sensibilização sobre os impactos ambientais dos produtos de higiene íntima e os benefícios da utilização de copo menstrual” – aqui, não esclarecendo o PAN se, sim ou não, com legendas em inglês. O PAN não deixa, todavia, de nos informar que “estima-se que cada mulher utilize cerca de 15 mil produtos de higiene íntima descartáveis durante a sua vida”.

Tem manifestações de fúria veggie, ao “determinar como regra que todas as refeições nos eventos promovidos pela administração direta e indireta do Estado são vegetarianas”, a par de ataques de dirigismo informativo, como na cominação de “incluir uma rubrica/peça jornalística diária de divulgação cultural em programas de grande audiência da televisão pública, como, por exemplo, o Telejornal”. E não esquece uma incursão ternurenta pelo programa Walt Disney para a reforma do sistema financeiro, anunciando “criar regulamentação própria com vista à instalação da Banca Ética e das Finanças Solidárias em Portugal”.

Entra a sobrepor a ideologia à decisão exclusivamente técnica e científica em matérias de saúde, seja na questão da “doação de sangue por parte da população LGBTI+”, seja na proibição de intervenções cirúrgicas “à nascença de bebés e crianças intersexo” (carregando nas tintas como “mutilações genitais”) – trata-se de matérias em debate, mas que devem ser decididas pela ciência médica, não por programas partidários. E lança uma girândola de ideologia de gênero: “alargar a autodeterminação no reconhecimento legal da identidade de gênero a jovens menores de idade”; “possibilidade da abolição da menção de gênero/sexo em documentos oficiais”, na linha do combate por “processos legislativos cada vez menos centrados no binarismo de género”; e insistência nas barrigas de aluguer, acrescentando o “alargamento do acesso a homens solteiros e casais de homens.” 

Já, porém, quanto às vacas, sempre na ordem do dia, a doutrina é diferente, velando pela estreita relação filial/maternal entre vitelo e vaca: “Regulamentar a separação dos vitelos das suas progenitoras, considerando que atualmente é possível a sua separação nas primeiras 24h de vida”.

É generoso para além da natureza, ao garantir, “a obrigatoriedade da existência de sombra e a proteção contra as intempéries nos pastos extensivos”, ou seja, pradarias com abrigos e coberturas, “para além – acrescenta o PAN – das demais condições que devem ser asseguradas aos animais”. O que serão? Instalações sanitárias? Balneários? É possível – trata-se de gado vegetariano, todos os privilégios são poucos.

O PAN (tal como o Bloco) prevê autorizar os médicos a matar doentes a pedido – a eutanásia -, sob o falso eufemismo de “morte assistida”, que é a prática comum e humana de chegar à morte com assistência médica e os cuidados de familiares e amigos. Ameaça a independência partidária do Procurador-Geral da República e do Presidente do Tribunal de Contas, mudando a fonte da sua indicação para a Assembleia da República. Abre um paraíso para os “hackers”, ao anunciar a criação de “um portal para consulta facilitada sobre os dados de cada cidadão que estão a ser recolhidos, por que entidade e qual a sua finalidade”. E previne-nos para a “conhecida Declaração de Cambridge de 2012”, em que “cientistas na área das neurociências declararam, pela primeira vez, que animais não-humanos (designadamente mamíferos, aves e polvos) possuem os substratos neurológicos, neuroanatômicos, neuroquímicos e neurofisiológicos de estados de consciência em linha com a capacidade de exibir comportamentos intencionais, devendo, por isso, haver mais exigência no seu trato e mais respeito pela sua existência e natureza.” 

Esta constatação levará a importantes consequências: por um lado, podemos dizer adeus a pitéus como a salada de polvo, o arroz de polvo e o polvo à lagareiro, uma vez que o saboroso cefalópode está coberto pela esmerada atenção dos sábios de Cambridge; por outro, impõe uma série de medidas de educação alimentar dos animais selvagens carnívoros, a fim de passarem a herbívoros – que é como quem diz vegetarianos –, não só porque será melhor para a sua saúde e pegada ecológica, mas porque há que pôr fim à prática cruel de devorarem outros animais vivos sencientes. Estas medidas não constam deste programa do PAN para 2019; certamente estão guardadas para 2023.”
Título e Texto: Cristina Miranda, Blasfémias, 4-10-2019

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