Aparecido Raimundo de Souza
EMBORA ME CONSIDERE UM HOMME EXPÉRIMENTÉ, não sei precisar se andei depressa demais ou se foi um simples
‘unfollow’ que dei em minha própria Inteligência. Talvez, por esse motivo, pelo
sim, pelo não, ou entre a esperteza e a ignorância momentâneas, eu tenha me
perdido de tudo de bom que me cercava. Nessa corrida desenfreada pelo incerto,
não permiti que fluísse a meu favor, a ventura das afeições corriqueiras do dia
a dia, notadamente as do círculo doméstico, sustentação basilar dessa nossa
carcaça, a contar do instante mágico em que abrimos os olhos para o universo
que nos contempla lá do alto.
Em vista disso, se foi para as cucuias, pai, mãe, filhos, netos, amores
oportunidades as mais diversas, e, de roldão, centenas de chances de ser um
bocadinho mais feliz. Corri tanto em busca de sendas tresloucadas, esperançado
de esmiuçar aventuras sem fundamentos… Nesse naipe, como carta fora do baralho,
passei por horas aziagas, me meti por estradas incertas sem as emergências
felizes, me embrenhei, igualmente, por desvãos que não me levaram à lugar
nenhum. Não sei se me abalei depressa demais, e, nessa viagem meio que sem giro
de retorno, nem vi que o tempo do meu tempo avançava, consumava, corria,
acepilhava numa linhagem como se plainasse a céu aberto num voo supersônico...
Em verdade, me esqueci que o tempo não se restitui, não retroage, não dá
marcha-a-ré, a, não ser para nos mostrar, de uma forma geralmente drástica e
insuportável, o que de ótimo e de magnânimo estava tão próximo, tão ali, tão
colado e à vista de todos, quase em atropelo, porém, eu, cego, sem visão de
amanhã, vazio, perdido, enlouquecido, fora de mim, do mundo real, me recusei,
ou dito de forma mais abrangente, não quis enxergar. O meu tempo agora se faz
rápido e rasteiro. Incerto e despropositado. Sombriamente tenebroso e abstruso.
Os cabelos esbranquiçaram, a epiderme, do rosto aos pés, enrugou, os gomos da
visão passaram a ver menos.
O peso-massa do corpo vigoroso se fez mais desatlético e pusilânime.
Ficou a dúvida cruel: não sei se andei depressa demais… Se me fiz célere e
dinâmico em grau além do normal. O que tenho consciência (e isso é tão certo
como a morte de Jesus no Calvário), toda essa agilidade, agora percebo, me
tornou cativo, encarcerado, detento submissado a um ser estranho e antipático
que desconheço as linhas do semblante. Acabei virando escravo. Dele, claro. Em
dias de agora, sei e tenho domínio pleno
de que alguma coisa não se realizou, ou não se materializou, mudando
sistematicamente o rumo-fadário do que se fazia certo e real, e por se fazer
descoeso, por algum motivo alheio, literalmente se desmantelou… Virou pó.
Em algum momento, em algum estágio dessa paranoia, final das contas, nada
do que eu queria, do que almejava, chegou às minhas mãos. Não sei dizer,
insisto, não sei dizer ou mesmo explicar quem se perdeu de quem. Quem se
extraviou, ou se divorciou de mim. Quem me roubou das coisas boas?! Apenas compreendo e isso é fato palpável,
inverossímil. Me resta a dádiva precisa e inalterável de que os anos vividos
viraram água corrente numa espécie de voragem incontrolável ribanceira abaixo.
Tudo o que desce pela encosta, descamba em direção a um abismo-bueiro. Esse,
por sua vez, de abertura oral alargada, cheia de sorvedouros e mandíbulas
nefastas, sem contar a goela escancarada, se faz pronta para carcomer o
destino.
O meu acaso, a minha cartada de boa sorte, ou de sorte grande. Pela minha idade, sessenta e seis ‘dezenoves
de marços’, desde mil novecentos e cinquenta e três, entendo não estar mais
propenso a prova dos nove, ou a outras modalidades de adversidades, por mais brandas
que sejam. Tentando a forças hercúleas, melhorar as coisas, e num derradeiro
suspiro de salvação, me deixei ficar em maturação, por meses, enfurnado numa
introspecção cabalistica, período em que o meu ‘eu’ estropiado permaneceu
estocado num ponto indeterminado em meio a um frio e uma textura gélida além do
normal.
Com esse aumento, frio e textura, descalor e urdidura, alimentado a queijos e nacos de
mussarela, talvez os cacos sobrados do que restou de mim, assediados por um
títere autômato, se juntem, ou se
reestruturem, ou no pior dos quadros, morram, dando lugar a um novo
‘centro-eu’, o que aliás, não deixará de ser, jamais, o meu almejo, a minha
cobiça, a minha ganância maior. A pretensão esbaforida, arfante e teimosa de
voltar ao ontem. Em amenta, o sonho buscado, a quimera perdida, o alfim,
retrogradado com força total, me tirando, a mim mesmo, de vez, da asfixia dessa
consumação nebulosa, dessa guerra sem dano colateral, por ter uma vida inteira
jogada às traças. Se eu conseguir esse intento, me polirei, me aprimorarei, me
acepilharei como a criatura mais FELIZ NA FACE DA TERRA. Juro meus caríssimos
leitores amados, por tudo quanto é mais sagrado: estou afinando a harpa.
Título e Texto: Aparecido
Raimundo de Souza, do
aeroporto Viracopos, em Campinas, São Paulo. 21-1-2020
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