Vitor Cunha
A eutanásia é inevitável. É
preciso estarmos cientes disso. Não há forma de travar os “avanços
civilizacionais” em democracias liberais num mundo globalizado. Se não for
aprovada amanhã, será no próximo ano, daqui a dois anos, daqui a quatro…, mas
será sempre aprovada. O nosso desígnio nacional é, como já é há muito tempo, o
de legislar a modernidade.
Em Portugal, o normal é
aprovarem-se coisas antes que a generalidade das pessoas sinta necessidade de
as compreender. Não é bem uma democracia, o que nem me parece uma falha: é o
que é, uma espécie de ditadura senatorial que perpetua a luta de classes divididas
entre os iluminados, que querem o bem da sociedade, e os indiferentes às
causas, que vivem a sua vidinha bem longe da decrepitude.
Caso haja um referendo à
eutanásia, é possível que a participação seja bastante reduzida e o resultado
se divida entre o “sim” e o “não”. Até é bastante plausível que vença o “sim”.
Há um motivo para isso, que é o do mundo contemporâneo exigir uma simplificação
da vida a estados permanentes de bem-estar.
Não dizemos que estamos felizes,
dizemos que somos felizes, como se a vida se reduzisse
a um estado de perpétua instagramização. Quem quer ver fotos do
momento em que não aguentamos mais e mijamos nas calças em redes sociais? Quem
quer ver aquela massa instantânea que atiramos para o micro-ondas quando
ninguém está a ver? Quem quer ver uma boazona de biquini a verter uma pinga de
vinho de pacote para um copo do Mickey Mouse enquanto desoladamente atiramos o
hamburger congelado para a frigideira depois de buscarmos os miúdos à escola?
A vida resume-se a um perpétuo
estado de férias paradisíacas intagramáveis. É um mundo em que
ninguém defeca. Ninguém sofre, ou se sofre, é de forma extraordinariamente
contrastante com o estado permanente de felicidade que impomos a nós próprios.
É apenas natural que se
legalize eutanásia e que ao longo dos anos esta se venha a generalizar para
toda e qualquer forma percepcionada de sofrimento. Quero eutanásia
porque o Bobi morreu, o meu menino. Não aguento o sofrimento.
Sempre fomos uma sociedade que
afasta o mais possível a morte das contemplações mentais de cada um. Agora,
tornamo-nos numa sociedade que não contempla sofrimento como parte integrante
da vida. No futuro, seremos completamente unidimensionais – gay, preto,
cristão, liberal, mulher – e construídos para a obsolescência programada.
Cervantes já o sabia no século XVII. O Velho do Restelo é sistematicamente
visto como uma personagem do velho mundo.
A eutanásia é o menor dos
nossos males. Na realidade, é só um sintoma, nem é o essencial da doença.
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