Aparecido Raimundo de Souza
EDDIE AGORA SÓ PENSAVA na Mulher Cadeira e nada o demovia dessa ideia. A família apostara que
logo ele se esqueceria dessa nova garota como as demais que passaram pela sua
vida. De uma bem recente, ainda restavam marcas indeléveis. A Mulher Samambaia.
Isso mesmo. Eddie estivera caído por ela, a ponto de fazer algumas loucuras.
Quase acabou preso. Por fim, se desencantou da Dani Souza, quando soube pelos
amigos e confirmou mais tarde, ao ler em revistas especializadas em
celebridades, que ela engravidara do jogador Dentinho.
Desde então Dani passou a representar página virada em sua vida. O
negócio, agora, era a esfuziante e não menos bela Mulher Cadeira. Amor à primeira troca de olhares mais
delongados. A tal da Mulher Cadeira, trabalhava num shopping movimentadíssimo,
como vendedora numa loja de celulares. Eddie passou, deu uma olhada básica pela
vitrine, voltou, tornou a encarar. Na terceira cruzada, entrou porta adentro,
chegou com tudo para uma sondada mais de perto no terreno.
Juraria, os dedinhos cruzados, que a garota lhe endereçara um sorriso
meio tímido, todavia, forte o bastante para cair matando e investir no mais
novo pedaço de mau caminho. Assim fez. Como quem não quer nada, se achegou. Com
fingido interesse por um determinado aparelho, começou a fazer perguntas e mais
perguntas. Havia uma enorme quantidade de celulares nas mais variadas cores e
estilos espalhados numa grande bancada expositiva.
- Com esse aqui o senhor tem acesso à Internet, ao Google, ao Youtube e
ao Facebook...
- Conseguirei ver meus recados no MSN e no WhatsApp?
E a encantada, sorridente e solícita:
- Não só verá como o senhor
igualmente, em tempo real, poderá responder e-mails e, claro, interagir com
seus amigos, parentes, namorada... Tem uma função pouco conhecida. A “Citação”.
É um recurso para responder mensagens específicas.
- Entendi. E este?
- Sofisticadíssimo! Além de tudo o que acabei de enumerar, essa
preciosidade vem equipado com televisão, rádio FM, MP4, MP5, MP6, MP8 e
MP10. Gostou do modelo?
Eddie, visivelmente encabulado:
- Por favor, nada de senhor...
- Hábito.
- Eu compreendo, mas, por gentileza...
- Ok. Sem o senhor...
- Não me disse seu nome?
- Aryane.
Eddie aproveitou a deixa do nome. Poderia ser um caminho. Por que não
tentar?
- Como a SteinKopf, a capixaba de Vila Velha que ganhou fama como uma das
Panicats do “Pânico na TV”, da Band?
- Quem dera! Minha beleza passou longe daquela musa.
- De forma alguma. Particularmente acho você mais refinada. Sem mencionar
a elegância e o porte de princesa.
- Me sinto lisonjeada. Só não imagine aí na sua cabecinha que me preocupo
com o biquinho de meus seios...
- Por que, a Aryane que conhecemos da televisão tem problemas com essa
parte do corpo?
- Sim.
- Desconhecia esse particular... Vivendo e aprendendo.
- Pois é. Nem tudo é o que parece ser. Minha xará tem esse pequeno
contratempo.
- Volto a repetir: você é mais atraente que ela.
- O senhor está sendo bondoso.
- Não, sincero.
Aryane se empolgou com esse enaltecimento:
- De verdade?
- Acredite! De verdade. Mata uma curiosidade?
- Até duas.
- A que horas sai?
- Às 22 horas. Por...?
- Me daria o prazer de poder vir lhe buscar?
- Com certeza. O prazer será todo meu.
- Espero que não tenha um namorado ciumento...
- Sem compromisso. Livre, leve e solta...
- Sendo assim, aqui estarei plantado nesse horário, à sua espera.
- E eu à sua chegada.
A partir desse bate papo, Eddie entrou em desespero. A impressão que o
atormentava era a de que o relógio marcaria meia noite, mas, as dez que ele
tanto esperava, nem por reza braba.
Finalmente, após longa e cansativa exaustão, o instante sonhado. Donzela
à tira colo decidiram dar uma parada na praça de alimentação. Ela pediu
refrigerante. Ele cerveja. Ela optou por batatinhas fritas. Ele por uma porção
de calabresa. Final de noite, quase onze e meia, shopping fechando as portas,
ponto de ônibus lotado para embarque. Hora da despedida. Cada um seguiria para
sua casa.
- Verei você de novo?
Foi a partir daí que Aryane contou que, pela manhã, das oito até as cinco
fazia freelancer em comerciais como modelo para uma empresa de móveis e
utensílios domésticos.
Nos comerciais ela protagonizava a figura da Mulher Cadeira. À noite, das
dezenove às vinte e duas horas, encarava uma ocupação extra como vendedora na
loja de departamentos onde ele a vira pela primeira vez.
- Espera aí. Eu ouvi direito? Mulher Cadeira?
- Isso mesmo.
- E o que você faz?
- Me passo por uma cadeira, onde o público entra para comprar e acaba
dando comigo aglomerada no meio de mesas, sofás, estantes, camas, guarda
roupas, etc., etc...
Eddie ficou meio que espantado e pasmo:
- E esse pessoal senta em você?
- Literalmente!
- Meu Pai Santíssimo! E sua estrutura suporta?
(Risos)
- Tipo assim: fico de joelhos, estico os braços e me prostro como se
fosse uma peça de venda, evidentemente com um pano colorido me cobrindo todo o
corpo, da cabeça aos pés. Todo mundo vem, me olha, e uns mais afoitos acaba
dando uma sentadinha... Ou pelo menos tentando...
- Nunca se machucou?
- Só de mentirinha... Aí comunico a minha gerente, saio por quinze ou
vinte minutos, dou uma volta, como alguma coisa, olho algumas lojas...
- Entendi. Legal. Nossa, que susto!
- Lembra que falei que nem tudo é o que parece ser?
- Com todas as letras. E quanto a mim? Conseguirei dar uma sentadinha?
- Você quer?
- Muito!
E Aryane, se abrindo como mala velha:
- Ta legal. Eu deixo. Prometo.
- Aguentará meu peso?
- Só você sentando pra gente saber.
- Ei gata, vou ser direito e reto, sem mimimis... Já que você disse que
não tem ninguém... E levando em conta que caí de quatro por sua pessoa... Quer
namorar comigo?
O ônibus que a levaria embora nesse
momento pintou no pedaço. Ela correu afoita, em meio a uma massa enorme de
pessoas que, igualmente, pretendiam embarcar.
Eddie tentou correr atrás dela, insistindo na pergunta, aos berros e
gritos:
- Você não respondeu. Aryane, Aryane: quer namorar comigo?!
A garota, todavia, afobada para embarcar, não teve tempo de dizer sim ou
não. Eddie a perdeu entre empurrões de
pernas e corpos. A condução se afastou e ele ficou ali por algum tempo, parado,
triste, vendo o coletivo se distanciar. Seu coração de homem, no momento
seguinte, se encheu de pesada e densa solidão, enquanto lágrimas caiam por sua
face em indisciplinada abundância.
Título e Texto: Aparecido
Raimundo de Souza, do Rio
de Janeiro. 25-2-2020
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