Alexandre de Moraes comanda os trabalhos de
parto do indulto sem perdão
Augusto Nunes
“A questão do indulto, esse
ato de clemência constitucional, é um ato privativo do presidente da República.
Podemos gostar ou não gostar. Assim como vários… várias parlamentares também
não gostam quando o Supremo Tribunal Federal declara a inconstitucionalidade de
emendas e leis. O ato de clemência constitucional não desrespeita a separação
de Poderes. Não é uma ilícita ingerência do Poder Executivo na política
criminal genericamente estabelecida pelo Legislativo e concretamente aplicada
pelo Judiciário. Até porque indulto — seja graça ou perdão presidencial, seja o
individual, seja coletivo — não faz parte da política criminal. É um mecanismo
de exceção, contra o que aquele que tem competência, o presidente da República,
entender como excessos da política criminal”.
Ponto final. Não há dúvidas a dirimir, pontos obscuros a eliminar. A aplicação das formas de indulto é coisa do presidente da República, adverte Moraes. Privativa, pessoal e intransferível. Se alguém não gostar do beneficiário ou de quem concedeu o perdão, deve espelhar-se na imagem de Nelson Rodrigues: resta sentar-se no meio-fio e chorar lágrimas de esguicho. Ou vá queixar-se ao bispo, recorrer ao Papa, talvez afogar as mágoas no botequim da esquina. O que não se pode fazer é contestar o decidido por quem lida com o assunto: o chefe do Poder Executivo, mais ninguém. O Judiciário e o Legislativo têm de calar-se o mais silenciosamente possível, porque a concessão do indulto — “seja graça ou perdão, seja individual ou coletivo” — é decisão pronta e acabada.
A menos que o indultado seja o
deputado federal Daniel Silveira, resolveu na quarta-feira o onipresente
Alexandre de Moraes em resposta a uma solicitação da vice-procuradora-geral da
República, Lindôra Araújo. O papelório produzido pelo estuprador da Constituição
ecoa o som da fúria, confirma a opção preferencial pela perversidade e informa
aos berros que o Supremo destes tempos estranhos é controlado por juízes fora
da lei, que têm em Moraes sua mais truculenta tradução. Com o apoio da maioria
dos titulares do Timão da Toga, o carrasco do Pretório Excelso insiste em
transformar um deputado federal protegido por normas constitucionais e pela
imunidade parlamentar em hóspede do seu cativeiro particular, alvejado por
violências que espantariam senhores de escravos.
Na
questão do indulto, o ministro mentiu em 2019 ou está mentindo agora?
Em 25 de abril, valendo-se do
que o Moraes do vídeo considera ato privativo do chefe do Executivo, Jair
Bolsonaro concedeu a graça presidencial a Daniel Silveira. Com a publicação do
indulto no Diário Oficial da União, o deputado tornou-se um
homem livre, voltou a exercer em sua plenitude o mandato parlamentar e não tem
contas a acertar com a Justiça. O Moraes do Supremo resolveu revogar o que
sempre afirmou o professor, pelo menos até encarnar simultaneamente cinco
personagens inconciliáveis: vítima, investigador, delegado, promotor e juiz.
Obcecado pelo sonho de punir Daniel Silveira com quase nove anos de prisão,
multas escorchantes, tornozeleiras eletrônicas, proibição de acesso a redes
sociais ou contatos com eleitores, perda do mandato e outras medidas fora da
lei, inscreveu-se na história nacional da infâmia com uma sopa de letras que
colide frontalmente com o vídeo:
“O tema relativo à
constitucionalidade do Decreto de Indulto será analisado em sede própria, pois,
conforme definido por esta Suprema Corte, apesar de o indulto ser ato
discricionário e privativo do Chefe do Poder Executivo, a quem compete definir
os requisitos e a extensão desse verdadeiro ato de clemência constitucional, a
partir de critérios de conveniência e oportunidade, não constitui ato
imune ao absoluto respeito à Constituição Federal e é, excepcionalmente,
passível de controle jurisdicional, pois o Poder Judiciário tem o dever de
analisar se as normas contidas no Decreto de Indulto, no exercício do caráter
discricionário do Presidente da República, estão vinculadas ao império
constitucional” (grifo meu). Tradução em língua de gente: indulto
é atribuição do chefe do Executivo, mas a última palavra será transferida para
os superjuízes caso o presidente se chame Jair Bolsonaro e tenha livrado da
cadeia alguém que ofendeu os integrantes do Egrégio Plenário.
Moraes seviciou princípios
elementares do Direito com o inquérito das fake news. Se consegue
enxergar a olho nu o que é verdade e o que é mentira, está convidado a desfazer
a interrogação que desenhou: na questão do indulto, o ministro mentiu em 2019
ou está mentindo agora? Depois de seviciar a Constituição com a invenção do
flagrante perpétuo e da prisão preventiva em regime fechado e sem prazo para
acabar, o impetuoso promotor que virou juiz por vontade de Michel Temer agora
comanda os trabalhos de parto do indulto sem perdão. Estimulado por parceiros
que habitam um universo paralelo onde é possível comer lagosta todo dia
(acompanhada por cálices de vinhos premiados), Moraes lidera a marcha da
insensatez que pode desembocar no confronto entre dois Poderes.
Se o STF persistir na
tentativa de algemar o presidente da República, para impedi-lo de deliberar
sobre um assunto privativo do chefe do governo, estará configurado um impasse
que será solucionado pelas Forças Armadas. É o que determina o artigo 142 da
Constituição, como vem alertando há tempos o jurista Ives Gandra Martins. Desde
a promulgação da Constituição de 1988, o comportamento de oficiais e soldados
tem sido impecável. Fora o ministro Luís Roberto Barroso, que anda enxergando
quarteladas em gestação contra o sistema eleitoral, até os doidos de hospício
que proliferam na esquerda brasileira admitem que as três Armas são orientadas
por um profissionalismo exemplar. Mas convém registrar que seus comandantes não
levam em conta arreganhos de denisses e lindôras. Tampouco se impressionam com
surtos de megalomania que transformam juízes do Supremo em Mussolinis de
ópera-bufa.
Título e Texto: Augusto
Nunes, Revista Oeste, nº 111, 6-5-2022
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