José Manuel
Por volta do ano 2000 iria me
aposentar muito proximamente, e havia traçado no ano anterior duas metas, as
quais não poderiam deixar de serem realizadas, de maneira nenhuma.
A primeira era a de levar, nos
últimos três voos, Roma, Londres, e Paris, os meus pais, o meu filho, na época
com dez anos, sendo a minha esposa Irene uma das comissárias daqueles voos.
Meu pai, infelizmente, não
pode aproveitar essa despedida por estar impedido por um incapacitante
Parkinson, mas felizmente já tinha viajado comigo em anos anteriores.
Mas, a minha mãe ainda com
bastante vigor nos acompanhou nessas despedidas.
Então, com a anuência da minha
diretoria, fiz essas escalas de acordo com as possibilidades à época, o que
ocorreu felizmente tudo com sucesso.
A segunda meta era resolver um
problema antigo, sucedido numa despressurização no Electra, nos idos da década
de setenta, o que danificou severamente o meu ouvido direito e que já estava me
incomodando bastante após trinta anos.
E o Cemal estava se
aproximando, portanto, teria que tomar algumas decisões com muito cuidado. E
assim foi feito, tudo ocorrendo como previsto
Algum tempo atrás, uma amiga
me enviou um vídeo com uma ocorrência dentro de um avião americano, em que uma
senhora ainda em solo não gostou dos dizeres da camisa do passageiro ao seu
lado e começou a criar problemas, tendo que ser retirada do avião por ordem do
Comandante.
Então, me lembrei de um fato
ocorrido exatamente no meu último voo dentro daquela série de três que comentei
no início deste texto e que acho vale a pena comentar, pois quase transformou
trinta anos num “bad end” inesperado.
No trecho GIG/PAR, durante o meu plantão fui chamado pelo interfone, para resolver um problema que ocorria com um passageiro francês na Econômica.
Quando lá cheguei, encontrei o
referido com um cigarro apagado na boca, dizendo que iria fumar.
No Brasil, o fumo a bordo já
era proibido desde abril de 1999, mas em algumas outras aéreas internacionais,
como a Air France, por exemplo, naquela época ainda era permitido.
Então, seria mais uma
experiência para testar a minha capacidade de gerenciamento de crises a bordo,
adquirida em trinta anos de voo. Infelizmente esse caso quase escalou para um
incidente forte e sem solução em pleno voo.
Chegando à poltrona do referido, ele estava com o cigarro apagado na boca e um isqueiro na mão, dizendo que iria fumar pois já estávamos em área internacional, portanto, fora da jurisdição brasileira, e na França se fumava a bordo.
Senti no ato que aquele local
da poltrona não era o ideal para tentar resolver aquela bronca, e o convidei à
galley traseira.
Como o serviço de jantar já
havia terminado liberei os plantões e apenas eu e uma comissária ficamos
naquela área.
Gentilmente expliquei que
apesar de águas internacionais, o nosso avião era solo brasileiro portanto,
sujeito às nossas leis, sendo que nós estávamos ali para fazer cumprir essas
determinações.
Enquanto eu falava em francês,
ele continuava com o cigarro na boca e com cara de gozador, dava flashes com o
isqueiro.
Pedi para não usar o isqueiro,
mas ele continuou. Na frente dele, pelo interfone, liguei para o comandante,
comunicando que possivelmente iríamos ter um problema sério e sugeri chamar
Paris e solicitar a polícia portuária na chegada, e que eu continuaria tentando
resolver o problema.
Isso durou "horas"
infinitas com a minha paciência chegando ao estado terminal, até que ele
indicou que iria ao banheiro.
Acompanhei-o, abri a porta para ele, indiquei o sensor no teto e expliquei em tom pouco amável, que se aquele sensor disparasse, eu iria invadir o toalete e arrancá-lo de lá à força.
De todo o modo, comuniquei-lhe
também que ele já estaria preso na chegada a Paris e que escolhesse bem suas
atitudes, a partir daquele momento.
Foi uma atitude extrema, mas
que para o bem de todos funcionou, pois logo saiu do banheiro ao qual eu estava
ao pé da porta, e só o deixei ir para o seu lugar depois de examinado e se
havia algum sinal de fumo.
E assim aconteceu, em Paris o
cidadão foi preso no desembarque, e eu sem dormir num stress glamuroso, em
minha última jornada nos ares e com minha família.
Em Paris, pegamos um tempo
horrível com o Sena transbordando e por pouco nem a torre Eiffel teria dado
para lhes mostrar. Enfim, quando começa errado, assim vai até ao fim.
O glamour da profissão
alardeado por alguns, para mim não faz muito sentido, pois o que ocorreu
poderia ter escalado para uma agressão, coisa que nunca havia ocorrido, ou
mesmo um incidente sério à segurança da aeronave, provocado pelo passageiro que
poderia estar com algum tipo de transtorno. Isso a trinta e seis mil pés de
altitude, não é algo muito agradável, tampouco glamuroso.
Título e Texto: José Manuel
– A vida às vezes nos mostra que o futuro pode não ser tão previsível. Depende muito da forma como nos posicionamos
frente ao imponderável.
De Fortaleza a Uruguaiana, simplesmente inesquecível
O navio do desenho animado
The Plaza, 5th Ave – Central Park
O prazer em escrever
O alcance dos sonhos
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