terça-feira, 17 de maio de 2022

[Estórias da Aviação] The Plaza, 5th Ave – Central Park

José Manuel

Um espetáculo à parte este icônico hotel do século XIX, na esquina da quinta avenida com o Central Park, um dos lugares mais bem situados para um hotel dessa categoria.

Em todos os anos que voei para Nova Iorque, estive por duas vezes no seu gigantesco e lindo hall, me deliciando com a arquitetura desse famoso hotel.

Quem não conhece, vale a pena ver as fotos no Google, para ter uma ideia da sua imponência, ou ver o filme “Esqueceram de mim 2" que foi ambientado nesse hotel, com o pequeno Macaulay Culkin.

Para se desfrutar de um apartamento básico, pode começar a pensar em desembolsar quase três mil dólares pela diária, ou um café da manhã no valor de trezentos dólares.

Certamente e sem dúvida alguma, nunca me hospedei lá, mas um colega nosso, infelizmente in memoriam, o Sólon Braga, trabalhou lá por dois anos antes de ser tripulante da Varig, nos repassando o que era de glamuroso esse estabelecimento hoteleiro.

Mas, se nunca me hospedei lá, e só conhecia a história pelo Sólon e pelas duas vezes que visitei o seu lobby, o que está fazendo esse hotel por aqui nas minhas memórias?

Bem, vou tentar contar essa história o mais detalhado possível, pois mais uma vez algo muito forte estava ali comigo para me proteger, como de outras vezes.

A partir do ano de 1983, iniciei minhas escalas fixas com a minha esposa Irene, o que perdurou até quando me aposentei, ou seja, por dezessete anos ininterruptos.

Foi um período muito tranquilo na minha vida de aeronauta, pois tínhamos os mesmos interesses e gostávamos de passear muito em todos os pernoites.

Nova Iorque era um desses pernoites mágicos que a cada época nos oferecia dezenas de opções. Aos poucos, juntos fomos descobrindo intensamente a Big Apple.

Assim como toda a metrópole, Nova Iorque é uma cidade perigosíssima principalmente a "turistas" desavisados.

E nós tripulantes, ao longo de nossas viagens, fomos desenvolvendo "modus operandi" de sobrevivência naquela selva de pedra.

Por exemplo, andar sozinho nas calçadas, nunca encostado nas paredes e de preferência na rua, encostado nos carros estacionados ao longo do meio fio. Bolsas jamais a tiracolo e sim no peito ou barriga. Em duplas, o mais junto possível e olhar 360°, atento aos pontos cardeais. Calças, preferencialmente jeans e nada de bolsos laterais.

Pois é, nas duas vezes que desrespeitei esse protocolo de segurança, levei um troco nada agradável.  Uma, em pleno Toys “R” Us com uma bolsa a tiracolo e a minha carteira dentro, ao levantar os braços para pegar um brinquedo em uma prateleira alta, senti a bolsa leve e tive o desprazer de nunca mais ver os documentos retirados com perícia por um estilete em um talho no nylon! Sorte que nunca andava com passaporte na rua e nada a ver com este texto.

A outra foi pior, muito pior...

Certo pernoite decidimos ir à Macy's e, ainda hospedados no Roosevelt, pela manhã saímos pela 45th em direção ao Times Square, para passar primeiro pela Rádio Shack e depois prosseguir à esquerda pela Sétima Avenida para pegar a Broadway até à famosa loja de departamentos. Como o trajeto era longo ida e volta, resolvemos levar um carrinho de malas, a fim de não carregar nada.

Após virar à esquerda no Times Square, ainda na sétima, logo no primeiro quarteirão, nós, de braço dado e eu à direita da Irene, com o carrinho na mão direita, sentimos nossos "sensores de ré" alertando uma aproximação muito rápida por detrás de nós.

Nesse dia, estava usando uma calça com bolsos laterais, contrariando o protocolo de sempre usar jeans.

Por via de dúvidas havia colocado meu dinheiro e crachá no bolso esquerdo junto à Irene.

De repente, senti meu bolso direito ser invadido por uma mão, mas como estava preparado por um “alerta" anterior, reagimos com muita força, muito rápido e estardalhaço, chutando e lançando o carrinho em todas as direções. Eram três rapazes escuros e eles não esperavam a nossa reação, fugindo em disparada.  A tentativa de roubo tinha sido frustrada!

Roubo?

Com o susto, nos encostamos à parede de um prédio para nos refazermos e logo alguns transeuntes vieram nos perguntar se estávamos bem. Refeitos, senti algo no meu bolso e apalpei. Eram duas coisas, uma seringa hipodérmica fina com agulha e uma chave. Recoloquei ambas rapidamente no bolso com cuidado para não chamar a atenção e iniciamos uma caminhada em zigue-zague rumo ao nosso destino.

Fomos conversando, com atenção redobrada, e uma coisa estava muito clara.

Ou tinha sido um atentado, ou uma tentativa de culpabilidade. Ainda não tinha conseguido ver que tipo de chave era aquela, o que só faria na toalete do Macy's, por segurança.

Uma vez na toalete, no reservado, com a porta fechada, tirei calmamente os dois objetos do bolso com cuidado para não me espetar, limpei com papel a seringa, envolvi-a com o mesmo papel e ali mesmo descartei-a.

E a chave?

Sim, era uma chave de um apartamento de hotel.  Do Plaza Hotel!, aquele da esquina com o Central Park.

Fiz a mesma limpeza digital com a chave, depois embrulhei-a e levei-a comigo para fora da toalete até encontrar a Irene e contar-lhe o que estava no meu bolso.

Consideramos que ela deveria ser descartada o mais rápido possível e ali mesmo numa lixeira dos corredores do Macy's.

E assim foi feito, fizemos o que tínhamos que fazer lá dentro e retornamos ao nosso hotel pela quinta avenida com os sentidos todos em alerta.

Resumindo, não foi uma tentativa de assalto.

Foi provavelmente uma tentativa de incriminação por algo que ocorreu, ou um assalto na rua a um hóspede, ou mesmo um assalto a um dos quartos do Plaza Hotel.

Eles deveriam estar sendo perseguidos e por isso o barulho da chegada junto a nós, querendo se livrar tanto da chave como da seringa. Por isso fugiram tão rápido.

Mas e a seringa? Qual teria sido a intenção? Apenas se livrar dela?

O que tinha a ver uma chave e uma seringa cheia?

Não vamos saber nunca o que realmente ocorreu, aliás nem queremos, mas nos mostrou um outro lado da Big Apple, um lado extremamente deprimente.

Título e Texto: José Manuel – mais uma vez pude sentir algo muito forte, sempre comigo, nesses momentos. Maio de 2022 

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