terça-feira, 26 de abril de 2022

[Estórias da Aviação] As ervas da ira (quinta e última parte) Quando não há noções de civilidade

José Manuel

NEXT TIME… JAIL... #!” 

Sim, foi isso que ouvi, precedido daquele sinalzinho feito com os dedos!

Foi o dia em que passei a maior vergonha da minha vida, e dei graças a Deus de ter conseguido depois de muita conversa não ter sido preso e ter evitado de envolver a empresa num triste episódio. Mas fui fotografado e fichado nos arquivos da Sears Roebuck de Hollywood em Los Angeles.

Ninguém merece tal insensatez!

Pela segunda vez estive a ponto de ter perdido o meu emprego, por algo que não tinha nada a ver comigo.

A cena, um pouco pior, se repetia como na parte I desta série que ora termina.

Esses cinco casos, até que foram poucos, sendo apenas 5% de coisas ruins, perante um universo de 95% de fatos bons e saudáveis em 25 mil horas de voo.

Era uma programação regular com um voo para Los Angeles na década de 80, ainda com pernoite em Hollywood.

Sempre gostei de andar sozinho principalmente em Hollywood, quando ia sempre preparado para caminhar muito e bem cedo, por conta do fuso horário. Mas, gostava muito também de frequentar lojas de ferramentas como a Sears e sua marca famosa, a Craftsman.

Então, naquele dia, desci do meu quarto para tomar café antes de me dirigir à Sears na Santa Mônica Boulevard, quando encontrei na mesma Coffee Shop, dois membros da minha tripulação.

E aí, fiz o que nunca fazia, disse aonde ia e eles quiseram me acompanhar até a loja pois não sabiam onde ficava localizada.

É um bom pedaço de caminho, do hotel até lá e fomos andando naquela manhã ensolarada.

Antes, passamos em uma loja de papel de parede, onde havia feito uma encomenda em voo anterior e depois chegamos à Sears por volta das 10h30.

Uma vez no interior, combinamos que cada um iria ver coisas de seu interesse e depois nos encontraríamos na coffee shop da loja para beber algo antes de irmos embora.

E assim foi, nos encontramos no lugar indicado, conversamos durante algum tempo e nos dirigimos à saída pela Santa Mônica.

Assim que colocamos os pés na rua, talvez uns cinco metros da porta dois seguranças da loja, nos abordaram com a mão no ombro do colega que estava no meio entre mim e o outro, solicitando que os acompanhassem de volta à loja.

Nesse momento, ele colocou a mão na cabeça e tirou do bolso, uma peça da loja, dizendo que havia esquecido de pagar!

Legal, e olha a situação que me encontrei, na rua, sem pai nem mãe a quem recorrer!

Uma vez, na sala da segurança, o rapaz não parava de se desculpar e foi advertido a se manter calado e olhar o vídeo à sua frente.

Estava tudo ali e não tinha como se desculpar. Mais uma vez, Deus estava do meu lado, quando propus que cada um fizesse o seu roteiro na loja, e nesse momento do delito, ele se encontrava sozinho

O terceiro colega era professor de inglês e ficou mudo.

O causador, não falava uma palavra de inglês e apenas gesticulava mostrando que tinha dinheiro para pagar, olhando para mim o tempo todo.

Então, com muita calma, fui contando aos dois seguranças que éramos tripulantes e que estávamos pernoitando no hotel tal, e que o procedimento do rapaz não tinha desculpa, apresentando nossos três crachás a um deles. O silêncio por parte deles era sepulcral, talvez para nos deixar bastante nervosos, enquanto um deles preparava a máquina e o lugar das fotos.

Eu estava gelado por dentro e talvez por fora pois enfrentei aquilo de cabeça erguida, sem demonstrar fraqueza alguma, o que talvez fosse isso que queriam. 

Todo esse processo demorou aproximadamente duas horas e depois de nos fazerem assinar uma declaração, ouvi deles que como havia sido constatado que apenas um tinha cometido aquele delito e pela veracidade das minhas informações, me colocando ao dispor deles inclusive, a partir daquele momento estávamos liberados, mas sem esquecer que estávamos fichados nas lojas Sears, e que numa próxima vez, seria cadeia, sem dúvida.

Saímos de lá e fui mudo até ao hotel, prometendo a mim mesmo nunca mais compartilhar meus programas com ninguém.

Aos poucos fui me recuperando do torpor em que me encontrava e da vergonha por que havia passado, dando graças a Deus de não ter sido muito pior, com uma corte pela frente e a perda do meu emprego.

Título e Texto: José Manuel – pela quinta vez tinha me saído bem e com mais um aprendizado para a vida toda, e difícil de esquecer. 

Anteriores: 
As ervas da ira (parte IV) A delinquência nunca compensou 
Ira Levin é um homem, um escritor 
Um New York, um idiota e o fusca verde 
As ervas da ira (parte III) – Gozador extrapolando limites 
As ervas da ira (parte II) – Quando o demônio se incorpora 
Eu, a Panair e o assombro das imagens 
A Pedra da Gávea e o voo de Miami 
As ervas da ira (parte I) – Um sonho quase desfeito 
Os números esquecidos, a realidade e as consequências 
As ervas da ira. (Prólogo)

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