José Manuel
O ano era 1978, e ao receber a
minha escala do mês de setembro estava com uma programação de Santiago do Chile
bate e volta, e o equipamento era o notável "Flecha ligeira“, o famoso Boeing
707.
Esse voo era muito especial, pois antes da chegada a SCL, tínhamos uma das vistas mais lindas que jamais saem da nossa memória: a cordilheira dos Andes. O sobrevoo da cordilheira com suas neves eternas, é simplesmente soberbo!
O voo corria supernormal,
bastante trabalhoso, mas um pouco antes do início da descida alguém me entregou
uma revista, salvo engano uma Der Spiegel, alemã, com uma reportagem sobre uma
determinada boate gay em Roma, e com uma foto em que aparecia uma imagem de
alguém de perfil, pretensamente parecido comigo.
A foto estava com um círculo
de caneta em volta da imagem de um gay, com uma seta indicando o meu nome.
Como nunca gostei nem
pratiquei esse tipo de brincadeira, achei por bem terminar ali a fanfarronice
do autor, um conhecido "brincalhão” e guardei-a na minha mala pequena, que
todos levavam a bordo, para algum tipo de emergência, como um pernoite não
programado por exemplo.
Chegamos a Santiago e depois
de algum tempo no solo retornamos ao Rio, como habitual.
Cheguei em casa, e desmontando
a mala, observei que a dita revista não estava dentro e tive o desprazer de
entender que haviam aberto ilegalmente a minha mala para retirar a tal revista.
Não gostei e claro temi por algo no futuro. Estava certo e então só me restava
aguardar.
Algum tempo depois, por duas
ou três vezes, alguém que encontrava dizia que eu tinha ficado muito bem
“naquela foto". Não liguei o fato a nada pois tirávamos dezenas de fotos
nos pernoites e certamente deveria ser alguma delas.
Certo dia, no D.O do Galeão,
depois de assinar a folha para um voo de Miami, um outro colega veio a mim com
três fotos em formato postal, e me entregou dizendo que o autor as havia
enviado a mim.
Perguntei quantas fotos ele
sabia que existiam e a resposta foi, "várias"!
Liguei os fatos e deduzi que o processo de distribuição dessas fotos já estava sendo executado há tempos. Furioso, segui para o avião e foi um voo péssimo para mim.
A conclusão era mais que
óbvia, que dois "brincalhões" estavam distribuindo essas fotos e
curtindo com a minha cara. Nada poderia ser mais desagradável, ainda mais que
estava em véspera do primeiro matrimônio.
Voo estragado, só faltava
agora no pernoite perdido desenhar a saída legal e honrosa para esse tipo de
cafajestada, pois foram feitas várias cópias em laboratório próprio, a partir
da revista. Crime, nada mais que isso!
E de crime quem trata é a lei
através de um advogado. E assim chegando de Miami, fui direto ao meu advogado
com a estória mastigada e as fotos em meu poder.
De cara o processo seria de
direitos autorais pois o meu nome estava associado à foto. Depois, danos
morais, mais o de invasão de privacidade pela abertura da mala, e eu iria tomar
o laboratório fotográfico do próprio como indenização.
Mas não poderia ser feito de
qualquer jeito, pois os dois, a vítima e o agressor eram da mesma empresa.
Então, o advogado ligou para o meu diretor relatando o ocorrido.
A resposta dele foi no sentido
de que suspendesse temporariamente qualquer atitude e que eu fosse
imediatamente ao seu gabinete no Santos Dumont.
Chegando lá, com as olheiras
nos pés de cansado encontrei o diretor, Sérgio Prates, e o superintendente,
Norton Osório,, aos quais entreguei as fotos.
A primeira reação de ambos foi pela demissão sumária, de tão irritados com aquelas evidências. A primeira pergunta foi de que agora sabiam quem era o mentor intelectual do fato. Mas queriam saber também, quem era o responsável pelo "delivery" ao grupo.
Respondi que não sabia, pois
havia vários no esquema, pois não queria incriminar mais ninguém, apenas o
autor da fraude.
- Então ele está demitido!
- Não por favor, apesar de
estar muito chateado não gostaria que isso acontecesse, pois não adiantaria
apenas penalizar o autor de tal infâmia, o estrago continuaria, sem ninguém
saber a real estória e eu acabaria sendo o culpado perante o grupo, por tal
demissão.
Depois de muito apelar,
consegui que mudassem de ideia, aplicando um corretivo forte com a obrigação de
desfazer verbalmente a todos a quem havia entregado a foto, pelo estrago
produzido.
Pegou um rebaixamento do setor
internacional, para a Ponte-Aérea, por um ano.
A linha Internacional, era um
setor completamente separado da Nacional, que para ser atingido dependia de
tempo de voo, file e idiomas. Em suma, uma promoção no quadro de acesso.
O rebaixamento, por si só era
deprimente a qualquer um e para mim bastava.
Quanto à parte jurídica,
desisti de qualquer ação porque ele não teria mesmo dinheiro para me ressarcir,
pois eram vários crimes em cascata.
Fiquei satisfeito com a pena
aplicada, e no dia seguinte o outro brincalhão "delivery", me
telefonou com a cueca borrada, tentando se explicar, com medo de ser demitido.
Anteriores:
As ervas da ira (parte II) – Quando o demônio se incorpora
Eu, a Panair e o assombro das imagens
A Pedra da Gávea e o voo de Miami
As ervas da ira (parte I) – Um sonho quase desfeito
Os números esquecidos, a realidade e as consequências
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