terça-feira, 1 de março de 2022

[Estórias da Aviação] As ervas da ira (parte III) – Gozador extrapolando limites

José Manuel

O ano era 1978, e ao receber a minha escala do mês de setembro estava com uma programação de Santiago do Chile bate e volta, e o equipamento era o notável "Flecha ligeira“, o famoso Boeing 707.

Esse voo era muito especial, pois antes da chegada a SCL, tínhamos uma das vistas mais lindas que jamais saem da nossa memória: a cordilheira dos Andes. O sobrevoo da cordilheira com suas neves eternas, é simplesmente soberbo!

O voo corria supernormal, bastante trabalhoso, mas um pouco antes do início da descida alguém me entregou uma revista, salvo engano uma Der Spiegel, alemã, com uma reportagem sobre uma determinada boate gay em Roma, e com uma foto em que aparecia uma imagem de alguém de perfil, pretensamente parecido comigo.

A foto estava com um círculo de caneta em volta da imagem de um gay, com uma seta indicando o meu nome.

Como nunca gostei nem pratiquei esse tipo de brincadeira, achei por bem terminar ali a fanfarronice do autor, um conhecido "brincalhão” e guardei-a na minha mala pequena, que todos levavam a bordo, para algum tipo de emergência, como um pernoite não programado por exemplo.

Chegamos a Santiago e depois de algum tempo no solo retornamos ao Rio, como habitual.

Cheguei em casa, e desmontando a mala, observei que a dita revista não estava dentro e tive o desprazer de entender que haviam aberto ilegalmente a minha mala para retirar a tal revista. Não gostei e claro temi por algo no futuro. Estava certo e então só me restava aguardar.

Algum tempo depois, por duas ou três vezes, alguém que encontrava dizia que eu tinha ficado muito bem “naquela foto". Não liguei o fato a nada pois tirávamos dezenas de fotos nos pernoites e certamente deveria ser alguma delas.

Certo dia, no D.O do Galeão, depois de assinar a folha para um voo de Miami, um outro colega veio a mim com três fotos em formato postal, e me entregou dizendo que o autor as havia enviado a mim.

Perguntei quantas fotos ele sabia que existiam e a resposta foi, "várias"!

Liguei os fatos e deduzi que o processo de distribuição dessas fotos já estava sendo executado há tempos. Furioso, segui para o avião e foi um voo péssimo para mim.

A conclusão era mais que óbvia, que dois "brincalhões" estavam distribuindo essas fotos e curtindo com a minha cara. Nada poderia ser mais desagradável, ainda mais que estava em véspera do primeiro matrimônio.

Voo estragado, só faltava agora no pernoite perdido desenhar a saída legal e honrosa para esse tipo de cafajestada, pois foram feitas várias cópias em laboratório próprio, a partir da revista.  Crime, nada mais que isso!

E de crime quem trata é a lei através de um advogado. E assim chegando de Miami, fui direto ao meu advogado com a estória mastigada e as fotos em meu poder.

De cara o processo seria de direitos autorais pois o meu nome estava associado à foto. Depois, danos morais, mais o de invasão de privacidade pela abertura da mala, e eu iria tomar o laboratório fotográfico do próprio como indenização.

Mas não poderia ser feito de qualquer jeito, pois os dois, a vítima e o agressor eram da mesma empresa. Então, o advogado ligou para o meu diretor relatando o ocorrido.

A resposta dele foi no sentido de que suspendesse temporariamente qualquer atitude e que eu fosse imediatamente ao seu gabinete no Santos Dumont.

Chegando lá, com as olheiras nos pés de cansado encontrei o diretor, Sérgio Prates, e o superintendente, Norton Osório,, aos quais entreguei as fotos.

A primeira reação de ambos foi pela demissão sumária, de tão irritados com aquelas evidências. A primeira pergunta foi de que agora sabiam quem era o mentor intelectual do fato. Mas queriam saber também, quem era o responsável pelo "delivery" ao grupo. 

Respondi que não sabia, pois havia vários no esquema, pois não queria incriminar mais ninguém, apenas o autor da fraude.

- Então ele está demitido!

- Não por favor, apesar de estar muito chateado não gostaria que isso acontecesse, pois não adiantaria apenas penalizar o autor de tal infâmia, o estrago continuaria, sem ninguém saber a real estória e eu acabaria sendo o culpado perante o grupo, por tal demissão.

Depois de muito apelar, consegui que mudassem de ideia, aplicando um corretivo forte com a obrigação de desfazer verbalmente a todos a quem havia entregado a foto, pelo estrago produzido.

Pegou um rebaixamento do setor internacional, para a Ponte-Aérea, por um ano.

A linha Internacional, era um setor completamente separado da Nacional, que para ser atingido dependia de tempo de voo, file e idiomas. Em suma, uma promoção no quadro de acesso.

O rebaixamento, por si só era deprimente a qualquer um e para mim bastava.

Quanto à parte jurídica, desisti de qualquer ação porque ele não teria mesmo dinheiro para me ressarcir, pois eram vários crimes em cascata.

Fiquei satisfeito com a pena aplicada, e no dia seguinte o outro brincalhão "delivery", me telefonou com a cueca borrada, tentando se explicar, com medo de ser demitido.

Título e Texto: José Manuel – Moral da história: querer levar vantagem em tudo resultou em rebaixamento para a Ponte Aérea. E ainda teve muita sorte! Fevereiro 2022

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As ervas da ira (parte II) – Quando o demônio se incorpora 
Eu, a Panair e o assombro das imagens 
A Pedra da Gávea e o voo de Miami 
As ervas da ira (parte I) – Um sonho quase desfeito 
Os números esquecidos, a realidade e as consequências 

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