José Manuel
Em fevereiro de 1965 tinha 18
anos, estudava à noite e trabalhava num banco no centro da cidade do Rio.
Morava em Copacabana e havia
duas maneiras de chegar ao trabalho: ou ia de bonde desembarcando no largo da
Carioca, o que demorava horrores a chegar e depois andava um pouco, ou ia de
ônibus pela praia do Flamengo ou no recém-formado parque do Flamengo, descendo
na praça XV. O segundo trajeto era mais agradável, mais rápido e apenas andava
mais para chegar ao banco.
Mas, o que EU tenho a ver com
a PANAIR?
A mais estreita relação com essa empresa, é a de que tripulei um DC-8 da Panair, o PDS, já com as cores da VARIG, em alguns voos durante certa época, e algumas recordações boas desse avião, eram a posição das luzes de leitura no encosto das poltronas, o lounge entre a porta dianteira e a “first class" e o "garbo" do Comandante Bungner pilotando de luvas de couro pretas.
Foto: Christian Volpati |
A menos, mas triste, muito
triste é que certas imagens nunca me saíram da cabeça.
Foi quando a partir de meados do mês de fevereiro de 1965 todos os dias que passava de ônibus pela antiga sede da PANAIR, com aqueles laguinhos na frente, via aquela movimentação de funcionários e tripulantes em protesto na rua e pior, impedidos de entrar em sua própria empresa, pois até as portas se encontravam lacradas por militares da aeronáutica em sentinela.
Era uma visão muito triste
aquela, que até a mim mero espectador passante, apesar de leigo, chocava.
Ainda era muito novo para ter uma grande percepção do que se passava, apenas as notícias que lia todos os dias sobre o assunto, mas a imagem nas fotos, do rosto daquelas meninas e rapazes era pungente e nunca contei isso a ninguém, mas nos piores momentos por que passamos na VARIG, era essa imagem que me assombrava sempre.
Durante anos tive medo de que aquela imagem se tornasse realidade. Guardei para mim, mas aquilo me atormentou a vida toda, talvez porque eu valorizasse tanto o meu emprego e a minha empresa, tendo muito medo de um fim trágico como aquele da PANAIR.
No final, pelo menos já aposentado,
as duas, tanto a PANAIR como a "minha" VARIG, tiveram fins trágicos e
orquestrados, oficialmente consideradas as duas maiores vergonhas empresariais,
sendo ambas e de diferentes modos, assaltadas e assassinadas pelo Estado
Brasileiro.
A primeira, pelos militares,
num equívoco terrível e histórico, tanto que ela existe até hoje com CNPJ
válido, marca ativa e sem dívidas. Se hoje resolver voltar a voar, nada a
impede de o fazer.
Então para quê fazer aquilo
com uma empresa saudável e comprovadamente adimplente?
Por que plantar no rosto
daquelas aeromoças que eu via nos jornais, acampadas perto do Palácio
Laranjeiras, implorando por uma chance na vida, o semblante do desespero?
Para quê matarem um ideal
ainda no início da vida?
A segunda, todos nós sabemos,
teve o seu fim trágico e orquestrado por uma quadrilha de civis vagabundos,
tendo como líderes um cachaceiro e uma psicopata ex-guerrilheira.
O fantasma que me assombrou
durante 32 anos, acabou se materializando em 2006, portanto, 41 anos após as primeiras
imagens que via da janela de um ônibus.
Quando fui para a primeira
greve de fome no Santos Dumont, aquelas visões do pessoal da PANAIR, não saíam
da minha cabeça a todo o instante e pior, estava ali ao "lado" onde
tudo aquilo ocorreu.
Aquilo de fazer passeatas
dentro ou fora do aeroporto era um revival insuportável para mim, mas
importante na essência daquele momento.
Ainda em voo eu suspeitava,
não sei como, durante todo o tempo, que aquilo poderia voltar a acontecer.
Em 95 quando começaram a correr
os primeiros boatos, fiz um movimento no sentido de oferecermos 10% do nosso
salário a título de empréstimo à empresa para que o pior não viesse a
acontecer.
Não tive sucesso na minha
empreitada e ainda sofri algumas agressões verbais.
Nas noites que passei sozinho
no aeroporto que felizmente foram poucas, aquelas imagens do pessoal da PANAIR
sem poder entrar na sua sede, na sua empresa, se materializavam em minha
cabeça, e eu me via lá com eles participando e tentando achar uma razão para
tudo aquilo, afinal naquele momento eu também era parte sem volta daquele
quadro trágico, aquele "Night wacht".
Foi muito triste e terrível
fazer parte de uma cena que eu tinha visto quarenta e poucos anos antes em
plena juventude, se materializando na minha vida naquele momento.
Mas aquela era a minha
realidade e eu estava ali lutando bravamente com todas as minhas forças para
superar o meu destino.
Aos trancos e barrancos,
cheguei até aqui salvo com saúde, mas com o meu "eu" comprometido
pelas perdas sofridas e sonhos inatingidos.
Deixo aqui os meus
agradecimentos ao Cmro. SANTOS ROCHA, ex--PANAIR, e ao NELSON PEREIRA (lâmpada)
que chegou a fazer a escala dos DC-8, pelas prestimosas informações recebidas.
Título e Texto: José Manuel – cada vez que vou ou volto a pé do aeroporto para a praça XV, paro na frente do prédio dos laguinhos, hoje III Comar, faço uma reverência em homenagem a todos os que me antecederam em nossa longa e sofrida " via crucis ", que ainda não terminou.
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