Nunca falha: se amanhã a Noruega entrasse em guerra com a Coreia do Norte, ninguém duvida para que lado tombariam os discursos do PCP e os corações do BE.
Alberto Gonçalves
As juventudes partidárias do
PS e do PSD organizaram para amanhã (domingo, 27 de fevereiro) uma manifestação
em prol da Ucrânia à porta da embaixada russa. Convidaram os restantes partidos.
Menos um. O Chega não vai porque não está na lista. O BE e o PCP não vão porque
não querem.
Este minúsculo episódio resume
na perfeição o ar que se respira na política nacional. A fim de condenar a
agressão a uma democracia europeia, a ortodoxia vigente, ou aquilo que aqui se
convencionou chamar “centro”, excluiu um partido que meio aos solavancos
condena a agressão e incluiu dois partidos que, assumida ou disfarçadamente, a
apoiam. É notável que, independentemente dos interesses e estratégias de cada
um, o primitivismo comunista continue a merecer o respeito “institucional” que,
por boas ou más razões, não se estende a uma “extrema-direita” errática.
O PCP, valha a verdade, não disfarça. Dias antes da invasão, o futuro ex-deputado António Filipe, cuja ausência da próxima legislatura suscitou lamentos pungentes à direita, escreveu no Twitter: “Biden decidiu que a Rússia tem de invadir a Ucrânia quer queira quer não queira. Se não invadir a bem terá de invadir a mal.” Entretanto, os camaradas do dr. Filipe produziram diversos argumentos, oficiais e oficiosos, para demonstrar que a Rússia, por instigação dos EUA e da NATO, é a solitária vítima desta história. A única crítica a Putin veio de Jerónimo de Sousa, que o acusou de “capitalismo” e de “atacar a União Soviética” [sic]. É possível que o chefe do PCP ainda habite em 1989. Ou em 1917.
O Bloco de Esquerda, que
também celebra 1917 e também não celebra 1989, optou pela habitual dissimulação
no que toca à Ucrânia, que com cinismo exige “neutral”. A canalhice é típica e
só convence perturbados: na semana passada, o BE citava Putin para explicar que
o governo ucraniano resultara de um golpe da “extrema-direita”; anteontem, a
fim de simular “solidariedade”, o BE desatou a explicar que Putin é que é de
“extrema-direita”. Em gente comum, tamanho contorcionismo provocaria hérnias
danadas. Os sacristãos do BE não são gente comum. Por flagrante hipocrisia, o
BE condena a invasão. Por convicção, tempera a condenação com as inevitáveis
referências aos EUA e à NATO, que, à semelhança do que acontece com o PCP,
representam tudo o que o BE abomina.
À semelhança do PCP, o BE abomina o Ocidente e os regimes democráticos em que o Ocidente se estrutura. Isto não significa que as nossas democracias não tenham defeitos. Têm imensos, nalguns casos a ponto de já nem se parecerem muito com democracias. A diferença é que um democrata gostaria de democracias melhores, mais sólidas, mais abertas, mais justas. E os comunistas do PCP e do BE querem acabar com elas.
É infantil discutir se Putin,
antigo agente do KGB, é ou não é comunista. A simpatia, franca ou mastigada, de
PCP e BE pelas ações do homem não advém daí. Conforme sucede com os aplausos
que chegam a Moscovo por exemplo da Venezuela, de Cuba e do PT brasileiro (e,
mediante silêncio, do sr. Bolsonaro: o Brasil é um país felizardo), PCP e BE
apreciam o que quer que ameace o modo de vida ocidental. E a culpa da Ucrânia
passa por ter erguido o modo de vida ocidental a uma referência a seguir. Nunca
falha: se amanhã a Noruega entrasse em guerra com a Coreia do Norte, ninguém
duvida para que lado tombariam os discursos do PCP e os corações do BE. Quem
acha a hipótese caricatural que recorde a escolha de Cunhal na guerra das Falklands,
que opôs o Reino Unido aos fascistas argentinos. Onde há liberdade, os
comunistas de todos os sabores são contra. E isso vale tanto para a liberdade
na Ucrânia como para a liberdade em Portugal, que corroem regularmente há
décadas.
A propósito das polémicas em
volta do Chega, ouvi não sei quantos idiotas inúteis garantirem que, ao invés
daquele partido, PCP e BE pertencem ao “quadro democrático”. Aí é que está: não
pertencem. A violência que defendem ou relativizam na Ucrânia é evidentemente a
mesma que defenderiam ou relativizariam em Portugal. Embora a cobardia e a
traição dos EUA e da NATO no conflito em questão se denunciem sozinhas (da UE
nem falo), são apesar disso as forças que militarmente nos resguardam,
esperamos, do caos no mundo. Hoje e sempre, o PCP e o BE aspiram ao caos. Hoje
e sempre, e à imagem das extremas-direitas autênticas, PCP e BE são inimigos
dos EUA e da NATO e de qualquer nação aliada dos EUA ou membro da NATO. PCP e
BE são inimigos de Portugal, que se pudessem submeteriam ao projeto de ditadura
que os move.
Continuem, então. Continuem a
convidar comunistas de ambas as seitas para protestos. Continuem a chorar a escassez
de comunistas no Parlamento. Continuem a convocá-los para sustentar governos.
Continuem a pendurá-los no Conselho de Estado. Continuem a oferecer-lhes espaço
de comentário televisivo. Continuem a tratá-los com a civilidade que eles, nas
circunstâncias adequadas, jamais retribuiriam. Continuem, no horrendo jargão da
época, a “normalizá-los”. Apenas não se esqueçam de que estão a “normalizar”
cúmplices dos maiores criminosos deste tempo. Se as discussões com porcos nos
deixam imundos, o convívio jovial transforma-nos na própria porcaria. Numa
sociedade limpa, o comunismo não é normal e carece do célebre “cordão
sanitário”. Mas as “linhas vermelhas” que por cá se traçam são demasiado
vermelhas e demasiado sujas, decerto de sangue.
Título e Texto: Alberto
Gonçalves, Observador,
26-2-2022
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não aceitamos/não publicamos comentários anônimos.
Se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-