José António Saraiva
O partido de André Ventura está numa
encruzilhada: ou cresce ou afunda-se
Por que razão Marcelo Rebelo
de Sousa condecora os atletas portugueses que obtêm vitórias além-fronteiras, e
a generalidade do país aplaude?
Por uma razão chamada ‘orgulho
nacional’.
Que está na massa do sangue
dos naturais de qualquer nação (veja-se o que está a acontecer na Ucrânia).
Mas, sendo isto óbvio, que
partido nos últimos 20 ou 30 anos falou do ‘orgulho nacional’ e o assumiu?
Apenas um - e mesmo assim
recentemente.
Pior: forças políticas, como o
BE, empenharam-se não só em demolir esse orgulho como em diabolizar a História
de Portugal - apresentando os portugueses como um povo de salteadores que durante
séculos saquearam territórios noutros continentes.
E ninguém contestou - até há
pouco.
Isto, entre outros fatores, ajuda a explicar o sucesso do Chega.
Além disso, o Chega
empenhou-se em exaltar valores como a família, a hierarquia, a autoridade e a
ordem.
Dir-se-á que são valores
‘ultrapassados’.
São-no, de facto, numa perspectiva
de esquerda.
A esquerda ataca o
nacionalismo porque é ideologicamente internacionalista: «Proletários de todos
os países, uni-vos!».
A esquerda ataca a família porque quer ter os cidadãos dependentes do Estado - e a família constitui a primeira e mais importante rede de educação e assistência social.
O Estado quer ter o exclusivo
da assistência, como quer ter o exclusivo da educação; tudo o que seja libertar
as pessoas da tutela do Estado é malvisto pela esquerda.
A esquerda não gosta da
hierarquia, porque defende a igualdade - e a hierarquia é o contrário da
igualdade.
Nacionalismo, família,
hierarquia são três ideias que a esquerda tem combatido nas últimas décadas.
E quem apareceu a defendê-las
na direita?
O PSD não, porque é um partido
basicamente sem ideologia, defensor da democracia, da liberdade e do
liberalismo económico, mas sem uma pauta de valores.
O CDS também não, porque
pareceu sempre envergonhado da sua condição de partido mais à direita,
complexado, com medo de se assumir.
O Chega foi, assim, o primeiro
a ter a coragem de o fazer.
De dizer alto e bom som coisas
que muita gente sentia ou pensava, mas que nenhum partido verbalizava.
E isto revelou-se
determinante.
Mas agora, com o crescimento
verificado nas últimas eleições, o que vai acontecer ao Chega? - é a pergunta
que muitos fazem.
O partido está numa
encruzilhada; e duas coisas, a meu ver, podem acontecer: ou continua a crescer
ou afunda-se.
Dificilmente ficará como está.
E atrevo-me a dizer uma coisa
escandalosa: o Chega pode substituir o PSD como o principal partido da direita.
Por quê?
Porque, com a maioria absoluta
do PS, a política portuguesa evoluirá para a bipolarização, com a existência de
dois grandes blocos: um bloco de esquerda, liderado pelo PS, e um bloco de
direita, liderado por quem se mostrar mais capaz de o fazer.
Ora, se o PSD revelar a
indefinição que tem revelado, não sendo carne nem peixe, pode ter o mesmo
destino do CDS - e tornar-se rapidamente um partido pouco atrativo e
irrelevante.
Quanto à IL, não a vejo com
capacidade para liderar um bloco de direita - pois, além de ser muito elitista,
a nível doutrinário não é de direita.
Resta, portanto, o Chega.
Perante uma sociedade em que
muitos cidadãos se mostram confusos, em que se perderam as referências, em que
os valores tradicionais se afundaram, em que tudo está em causa - desde a
pátria, à família, a certas regras ao nível dos costumes - o Chega pode
oferecer um porto de abrigo consolador.
E tem um líder forte, capaz de
galvanizar muitos eleitores.
Enferma, entretanto, de dois
problemas: é demasiado radical, trauliteiro mesmo, e tem falta de massa
crítica.
Enquanto o CDS tinha excesso
de quadros, o Chega praticamente não os tem.
Assim, o seu desafio é, em
primeiro lugar, tornar-se mais moderado sem perder a sua identidade; e em
segundo lugar, apresentar um conjunto de propostas consistentes nos diversos
campos - na educação, na economia, na fiscalidade, na cultura -, que lhe deem
corpo e credibilidade.
Se for capaz de fazer estas
duas coisas, poderá cavalgar o PSD e vir a liderar a direita.
Vejo hoje muita gente no PSD a
dizer: «Devemos dialogar com todos, menos com o Chega».
Ora, dentro de não muito
tempo, podemos estar na situação oposta: ser o Chega a não querer dialogar com
o PSD.
Título e Texto: José
Antonio Saraiva, Nascer do SOL, 26-2-2022, 10h30
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