As coincidências de um mundo que dá voltas
Caio Coppolla
1.
Velhos hábitos
Vladimir Putin tem um andar
característico, flagrado em múltiplas filmagens, que já foi até objeto de
artigos científicos. Em vez de movimentar os braços livremente, utilizando-os
como contrapeso aos seus passos, o presidente russo caminha de forma
assimétrica, com a movimentação reduzida em seu lado direito, dos ombros à mão.
Essa forma peculiar de marcha
— apelidada (e glamourizada) pela imprensa internacional como “gunslinger’s
gait” (o passo do pistoleiro, em tradução livre) — é
atribuída ao treinamento de agentes da KGB, o serviço secreto soviético, onde
Vladimir Putin chegou à patente de tenente-coronel.
Segundo os pesquisadores, a
proximidade do braço ao corpo favoreceria o acesso mais rápido ao coldre e a
agilidade no saque da arma numa eventual emergência. Assim caminham o líder
russo e seus velhos hábitos.
2.
Tempos difíceis e seus homens
Spiridon Putin, avô paterno do
presidente da Rússia, era cozinheiro pessoal de Lenin e outros líderes da
Revolução Russa — uma informação que, por algum motivo, foi mantida em sigilo
até 2018. Quando Stalin tomou o poder e perpetrou a carnificina dos
expurgos, chef Putin e sua esposa foram poupados: “Eles
eram, provavelmente, valorizados por serem pessoas de confiança”, comentou
Putin, o neto, nascido em 1952 em Leningrado, onde viveu com a família em um
apartamento comunitário.
Putin, o pai, nasceu em 1911,
com o país sob domínio czarista. Ainda na infância, testemunhou uma revolução,
uma guerra mundial e a fome russa, que matou cerca de 5 milhões dos seus
conterrâneos. Lutou na Segunda Grande Guerra e foi gravemente ferido por um
tiro de metralhadora; sobreviveu, assim como sua mulher, que resistiu ao cerco
a Leningrado, um morticínio que vitimou ao menos 2 milhões de russos, entre
militares e civis. Vladimir Putin é o filho mais velho desse casal — mas só
porque seus irmãos, nascidos antes, faleceram na infância.
Reza o provérbio oriental:
“Homens fortes criam tempos fáceis e tempos fáceis geram homens fracos, mas
homens fracos criam tempos difíceis e tempos difíceis geram homens fortes”…
Onde estaremos?
3.
Tempos fáceis e seus homens
Emmanuel Macron nasceu em 1977, formou-se em filosofia e graduou-se em administração com mestrado em políticas públicas. Tornou-se sócio do Rothschild & Cie Banque, que o fez milionário antes dos 35 anos. Já como presidente da França, lançou mão de uma estratégia velada e intelectualmente desonesta de protecionismo agropecuário contra o Brasil, amealhando quase 150 mil coraçõezinhos em sua postagem lacradora sobre a Amazônia em 2019, ilustrada pela foto de um incêndio de décadas atrás: “Nossa casa está queimando. Literalmente. A Floresta Amazônica — os pulmões que produzem 20% do oxigênio do nosso planeta — está pegando fogo. É uma crise internacional”. Claro que pulmões não produzem oxigênio, absorvem — exatamente o que faz a floresta, que consome a maior parte do gás liberado pela fotossíntese, embora contribua de outras formas para a ecologia e o clima do mundo. Mas o que salta aos olhos é a definição do presidente francês de crise internacional.
Parece que os líderes do mundo livre finalmente depararam com uma crise
internacional de verdade
Outro que já usou a Amazônia
para bravatear e capitalizar politicamente foi o commander in chief Joe
Biden, que, num debate eleitoral, sugeriu o pagamento — estamos aguardando! —
de algo como US$ 20 bilhões para que o Brasil parasse de destruir a Amazônia. O
então candidato até ameaçou: “Se não parar, vai enfrentar consequências
econômicas significativas”.
Parece que os líderes do mundo
livre finalmente depararam com uma crise internacional de verdade, que requer
sanções concretas contra agentes políticos realmente antagônicos aos valores do
Ocidente. E agora?
4.
O mundo dá voltas
Há dez anos, Mitt Romney,
candidato republicano à Presidência dos Estados Unidos, foi entrevistado pela
CNN e afirmou: “A Rússia é, sem dúvida, nosso maior inimigo geopolítico”.
Romney acrescentou: “Quem sempre se alinha aos piores atores globais? A
Rússia, geralmente com a China ao seu lado”.
Ato contínuo, em sua campanha
pela reeleição, o presidente Barack Obama fez questão de zombar seu adversário
por essa resposta:
“Quando você foi perguntado
qual era a maior ameaça geopolítica contra a América, você respondeu Rússia,
não Al-Qaeda [grupo terrorista de extremistas islâmicos responsável pelos
ataques de 11 de Setembro]. E os anos 1980 estão na linha solicitando sua
política externa de volta, porque a Guerra Fria acabou há 20 anos”.
Barack Obama, o sarrista, foi
o único presidente americano na história a completar oito anos de gestão com as
tropas do seu país em combate ativo no exterior — uma contradição flagrante à
sua plataforma eleitoral, que contemplava o encerramento de conflitos e o
retorno das Forças Armadas ao lar. Durante seu governo, em 2014, os russos
invadiram e anexaram o estratégico território da Crimeia, antes pertencente à
Ucrânia.
Embora a anexação não seja
reconhecida pela ONU, a unificação ao território russo é dada
como fato consumado. Especialistas avaliam que a incursão pela Crimeia foi o
balão de ensaio para um movimento mais ousado de Putin na Ucrânia, que ocorreu
tão logo um democrata voltou a ocupar o Salão Oval. São as coincidências de um
mundo que dá voltas…
Título e Texto: Caio
Coppolla é comentarista político e apresentador do Boletim
Coppolla, na Jovem Pan. Revista
Oeste, nº 101, 25-2-2022
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