Humberto Pinho da Silva
Passava neste domingo, de céu lavado, pela antiga Praça Nova, hoje da Liberdade, quando deparei com Silvério recostado nas grades férreas do extinto Banco Ultramarino.
Acerquei-me com a mão direita esticada, e
disse-lhe:
"Dá cá um abraço, meu velho! O que é feito de
ti? Há séculos que não te vejo!..." Empertigou-se. Olhou-me com olhos
apagados, sem brilho, de ombros descaídos, e confessou-me:
“Ando com uma neura, que não te digo. Estou
triste, como a noite. Tu sabes o que me aconteceu? Não sabes, mas eu te conto:
meu filho andava atrapalhado, ganha pouco, e a senhoria queria-lhe aumentar o
aluguer. Tive pena do rapaz. Como sabes, sempre fui poupado – até fome passei!
Amealhei dinheirinho para a velhice.
Ao vê-lo em dificuldades, resolvi pegar no que
tinha e dei-lho, para comprar a casinha. Não calculas o que me custou ficar a
zero. Mas ele merecia..."
Silvério fez curto silêncio. Depois continuou:
"Digo: merecia...Tu sabes o que o malandro me
fez? Apanhou-me o dinheiro. Comprou a casinha, e ainda me disse que se pudesse
me daria algum, todos os meses. Não quis, mas fiquei grato pelo gesto de
amizade e gratidão. Pois agora desmudou-se: se antes era paizinho para aqui,
paizinho para ali, agora mal fala comigo. Ainda a semana passada o fui visitar,
julgas que me deu atenção? Qual quê! Estava trombudo... Fugia de mim, como o
diabo da cruz. Tive a impressão que me queria ver-me pelas costas."
Respondi-lhe, animando-o, ao vê-lo assim angustiado:
"Isso deve ser impressão tua..."
“Não é", retrucou com os olhos aguados.
"Ainda dizem que devemos auxiliar os filhos... Por bem-fazer, mal haver...
Tudo me parece negro. Ando triste, muito triste... Quem me mandou dar o que
tinha? Agora nem dinheiro tenho para entrar num lar... e perdi a amizade do
Zé!... Está servido..."
Depois de o estreitar compungido contra o peito
com forte abraço, despedi-me do antigo companheiro com o coração apertado e
mágoa infinita.
Na realidade, muitos ao verem-se servidos,
esquecem-se dos pais, avós e amigos, que tudo fizeram para os ver felizes.
Silvério deu, como a viúva do Evangelho, o que lhe
era necessário para velhice sossegada e confortável. Agora está pobre,
abandonado por todos, até pelo filho, que pensava que o amava ternamente.
Quantos Silvérios haverá por esse mundo afora?!
Título e Texto: Humberto Pinho da Silva,
20-2-2022
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