José Manuel
A surpresa tomou conta de mim
ao longo do tempo em que escrevia as minhas memórias, tendo o cuidado sempre de
escrever de um modo fácil, descontraído, irônico, revelador de fatos
desconhecidos a alguns e procurando não ser enfadonho, até porque muitos
vivenciaram fatos semelhantes.
Mas... por que surpresa?
Na medida em que escrevia, ia
me surpreendendo com fatos que ao longo de todos os anos voados, tinham passado
completamente desapercebidos por mim e, acredito, pela maioria.
Fatos, reais, originados nas
programações dos voos, objeto mister da profissão, que tinha que ser executado
por força de um contrato laboral, mas que hoje, vistos sob outra ótica, nos
mostram algo surreal e inacreditável, que tenhamos passado por aquilo, e ainda
estarmos por aqui. Vivos!
Ao mesmo tempo, a perda nestes
últimos tempos de quantidade expressiva de colegas ainda relativamente jovens
para um novo padrão etário mundial, me fez pensar muito sobre o que aqui está
escrito.
Em nenhum momento, este relato
é cobrador, sofredor ou reclamador, até porque fiz porque quis, não sendo nunca
pressionado a nada.
Apenas um rastreamento do que
o meu corpo biológico “pode“ ter sofrido com o que passo a relatar e quais as
consequências a longo prazo.
Quais e de que tipo? Não sei!
Também tenho perfeita
consciência de que sempre fui monitorado por órgãos capacitados ao exercício da
minha antiga profissão.
Logo que inicio as minhas estórias, em caráter histórico, lá pela década de 70, me refiro a certas programações tanto nos turbo-hélices AVRO e ELECTRA, como em jato, no caso o B-727, em que num mesmo dia realizávamos voos com dez, doze escalas. Hoje, com calma e observando por outra ótica, os números se multiplicam assustadoramente, coisa que nunca havia me dado conta à época.
Avro-748, foto: Marcelo Magalhães |
Por exemplo, uma programação com dez escalas significava nove decolagens e nove pousos, num total de dezoitooperações, pressurizando e despressurizando num período de dez a doze horas.
Qual terá sido o efeito dessas
pressões e descompressões controladas, num volume incrível para uma jornada de
algumas horas, sobre o meu organismo ao longo dos anos? Não sei!
Até ao momento, passados
cinquenta anos apenas e felizmente uma rinite/sinusite crônicas, me causam
mal-estar permanente e espero que fique por aí.
Quanto ao barulho infernal dos
turbo-hélices, em especial os AVROS, os efeitos são mais sentidos ao longo do
tempo, pois, como todos sabem, só quem usava os EPIS, de proteção eram os
funcionários de terra junto às aeronaves, apesar de que os motores funcionavam
durante algum tempo com as portas abertas e ficávamos sujeitos a decibéis
altíssimos por algum tempo.
Multiplique-se isso por dez
horas seguidas e teremos aí uma resultante com efeitos irreversíveis na nossa
audição.
Ao final deste texto dois vídeos mostram o som produzido pelas turbinas do AVRO e do ELECTRA [foto]. É simplesmente ensurdecedor!
No meu caso específico a
resultante, que aliás me cassou a carteira de voo foi uma perda severa de 80%
no ouvido direito e 30% moderada no esquerdo.
Apesar disso, a Previdência
Social sempre disse que eu não sofria de nada e não me liberou de não pagar o
imposto sobre renda, algo que é lei porque fui incapacitado pelo CEMAL, e a que
tenho direito.
Um país de espertos, claro,
mas nem tanto, pois quando o fizerem na lei, terá que ser retroativo com
correção ou, o mesmo de sempre como já conhecemos de sobra!
Mas... e a vibração de corpo inteiro causada pelos motores da aeronave, ao longo de um voo transatlântico por exemplo, no meu organismo ao longo de trinta e dois anos? E eu fiz mais de 1800 dessas travessias!!
E a irradiação (exposição à
radiação) na minha medula, na minha tireoide, na minha pele com várias lesões
retiradas ao longo dos anos?
"As altitudes de voo das
atuais aeronaves a reação são entre 39.000 pés e 51.000 pés, onde, a partir de
25.000 pés a dose de radiação dobra a cada 6.000 pés, ou seja,
quanto mais alto for o voo, maior será o índice de radiação absorvido
pelo tripulante".
E o estresse físico e mental
como relatado no texto “Varig... Luanda e Cabul" quando chegamos a voar numa mesma programação vinte
mil quilômetros?
Acho que já posso parar por
aqui, para não me estender demais nas variantes, mas o link abaixo muito bem
elaborado deve ser lido por todos os atuais e ex- aeronautas, no sentido de
conhecerem melhor a sua profissão, pelo que passaram e estarem atentos, pois
muitos colegas perderam a vida, sem saberem exatamente o agente causador de
seus males. E isso é a pior parte desta estória, o que me encorajou a escrever
este texto elucidador de fatos, talvez até propositalmente esquecidos.
Profissão do Aeronauta e a Exposição a Doenças.
Até 1995, todos o Aeronautas,
exatamente por estarem expostos a agentes nocivos, insalubridade, como o
relatado acima, eram aposentados com vinte e cinco anos de serviço, sem contar
sua idade à época, o que era um avanço em nossa legislação, e salvaguarda de
nossa saúde futura.
Aí, um iluminado de baixo pra
cima, cassado pelo regime militar anterior e facilitador de políticos criminosos
como os que saquearam este país, durante 16 anos, em seu mandato, simplesmente
cancelou a nossa aposentadoria especial, fazendo uma lambança na vida dos
Aeronautas.
Quem é ele? Dizem que mora em
Paris, na Avenue Foch.
Sons do AVRO e do
ELECTRA:
Título e Texto: José Manuel
– Certamente seus familiares não foram tripulantes. Janeiro de 2022
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A chegada do Jumbo e o bullying finito
O gordão de nariz em pé
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