A ciência está se transformando em política — serve a ideias, interesses e desejos, e não mais aos fatos
J. R. Guzzo
Todo o mecanismo mental que
comanda a ação atual da máquina pública no trato da epidemia — basicamente, um
sistema de repressão à liberdade e aos direitos individuais, com o apoio
apaixonado da mídia — se baseia na guerra à ciência. Não é que haja dúvidas
entre várias hipóteses e o Estado, através de algum processo democrático, tenha
optado por uma ou por algumas. Não é isso.
No Brasil, premiadas com poderes praticamente absolutos pelo Supremo Tribunal Federal, as “autoridades locais” atribuíram a si próprias o direito de definir o que é ou não é ciência. Ao mesmo tempo, e sem deixar espaço para nenhum questionamento, decretaram que é proibida a não concordância com as suas decisões e “protocolos”; ou você engole o pacote como eles querem, ou estará se colocando “contra a ciência”. É um charlatão, um inimigo do interesse comum e um “negacionista” — mesmo que seja um cientista com 30 anos de experiência em pesquisas e tenha dito ao fiscal da prefeitura que seria bom estudar um pouco mais isso ou aquilo. É a ciência imposta através de portarias.
Qual a condição, por mínima
que seja, de um prefeito, juiz de direito ou procurador — ou mesmo de um
ministro Barroso, ou coisa que o valha — discutirem de verdade alguma questão
de ciência? Não sabem nada; o que podem dizer de útil sobre o tema? No que diz
respeito à ciência, e no que se refere especificamente ao ministro Barroso, é um fato a sua devoção ao
curandeiro João de Deus, hoje condenado por estupro e fraude. Que
raio de credencial é essa, em matéria de relacionamento com a ciência? Alguém
acha que os seis mil prefeitos e vinte e sete governadores que estão aí são
melhores que ele? Por quê?
A ciência, para ser ciência de
verdade, precisa não do ministro Barroso e da manada de pequenas autoridades
que manda hoje na sua vida, e sim da investigação livre dos fenômenos que podem
ser observados pelo ser humano — senão, não é ciência nenhuma. A ciência
precisa, o tempo todo, do debate livre, da indagação permanente, do
questionamento aberto, da prova objetiva. Isso está
proibido hoje no debate sobre covid-19 — a verdade é uma só, e ela vem numa
portaria assinada por um analfabeto qualquer que se encontra num cargo público.
Voltamos ao tempo de Galileu,
quando era a Igreja que definia quantos graus tem o ângulo reto, ou garantia
que o Sol girava em volta da Terra — com a desvantagem de que a Igreja, por
pior que fosse, não era tão ruim quanto o sistema judiciário brasileiro, ou
essa multidão de nulidades que se promoveram, do Oiapoque ao Chuí, ao emprego
de Deus na Terra. Mas qual é o problema? É assim que se combate, hoje, pelas
instituições democráticas e contra a onda direitista.
Título e Texto: J. R. Guzzo,
O Estado de S. Paulo, via revista Oeste, 26-1-2022, 18h
Marcações de Texto: JP
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