Presidente francês reeleito já insinuou que
a Amazônia pertence ao mundo e que a soja nacional é fruto da destruição das
florestas
Caio Coppolla
Quem já sobrevoou o Estado de Mato Grosso é testemunha: entre as lavouras de soja, milho e algodão que alimentam o Brasil e o mundo, impressiona a quantidade de vegetação nativa em terras agricultáveis — aliás, um terço dos biomas preservados (Floresta Amazônica, cerrado e Pantanal) fica em propriedades particulares. A produtividade também espanta: as plantações correspondem a apenas 10% do território mato-grossense, mas a área já é suficiente para fazer do Estado o maior produtor e exportador de grãos do país. Quase a totalidade das nascentes é intocada e uma mata ciliar exuberante margeia os cursos d’água. Predomina no campo a utilização de energia limpa, com destaque para a biomassa, produzida na própria região.
Em termos de sustentabilidade,
o agronegócio de Mato Grosso é nosso ‘case’ de sucesso e
reflete as melhores práticas de um país que mantém 66% da sua natureza
preservada, com 83% da sua matriz elétrica originada de fontes renováveis (a
média mundial é de parcos 27%): por aqui, a energia é 65,2% hidráulica, 9,1% de
biomassa, 8,8% eólica, 1,7% solar. Recentemente, um estudo conduzido pela
Esalq-USP concluiu que o plantio da soja seguido pelo milho de segunda safra —
técnica mais comum nas lavouras mato-grossenses — tira da atmosfera 1,67
tonelada de gás carbônico por hectare plantado. Em outras palavras, a principal
modalidade de agricultura no Estado purifica o ar que respiramos e ajuda no
controle da temperatura ao sequestrar um dos gases responsáveis pelo efeito
estufa. Esses são os fatos; tratemos, então, das narrativas…
Os governos FHC e Lula
registraram ritmo de desmatamento muito maior nos seus dois primeiros anos do
que no biênio 2019/2020
O presidente (recém-reeleito) da França, Emmanuel Macron, abusa do expediente da desinformação para criticar a realidade ambiental brasileira. Em agosto de 2019, usou uma foto dos anos 1970 para ilustrar seu twit lacrador sobre as queimadas na Amazônia — uma “crise internacional” no “pulmão do mundo”, que deveria ser endereçada emergencialmente pelo G7 e pelos ambientalistas de rede social via hashtag #ActForTheAmazon (“Aja pela Amazônia”).
Our house is burning. Literally. The Amazon rain forest - the lungs which produces 20% of our planet’s oxygen - is on fire. It is an international crisis. Members of the G7 Summit, let's discuss this emergency first order in two days! #ActForTheAmazon pic.twitter.com/dogOJj9big
— Emmanuel Macron (@EmmanuelMacron) August 22, 2019
A floresta passa bem — pra
efeito de comparação, os governos FHC e Lula registraram ritmo de desmatamento
muito maior nos seus dois primeiros anos do que no biênio 2019/2020 —, mas o
líder francês voltou à carga em janeiro de 2021: “Quando importamos a soja
produzida a um ritmo rápido a partir da floresta destruída no Brasil, nós não
somos coerentes. Nós precisamos da soja brasileira para viver? Então nós vamos
produzir soja europeia ou equivalente”.
Macron mente. Até mesmo o
portal G1, aliado de primeira hora de qualquer autoridade nacional
ou internacional que critique o governo brasileiro, se viu obrigado a constatar
a fragilidade da acusação: “O presidente francês não apresentou dados
que corroborem suas declarações”. Desde 2008, a “Moratória da Soja” — pacto
ambiental celebrado entre entidades de agricultores, ONGs e o governo —
assegura que o grão produzido no bioma amazônico é livre de desmatamento. O
Ministério da Agricultura rebateu a fake news de Macron: “O
Brasil tem uma das legislações ambientais mais rigorosas do mundo […], é o
maior produtor e exportador de soja, abastecendo mais de 50 países com grãos,
farelo e óleo. Detém domínio tecnológico para dobrar a atual produção com
sustentabilidade, seja em áreas já utilizadas, seja recuperando pastagens
degradadas, não necessitando de novas áreas. Toda a produção nacional tem
controle de origem”. Foto: Clauber Cleber/PR
Sem nenhum compromisso com a
verdade, o discurso falacioso de Macron serve para dissimular sua real agenda:
o protecionismo agrícola. Restrições aos produtos brasileiros sob o falso
pretexto de proteção ambiental poupariam os agricultores
franceses de concorrerem com a “soja produzida a um ritmo rápido” e
outros itens do competitivo agronegócio brasileiro. A hipocrisia salta aos
olhos: a França nem sequer cumpriu sua meta (autoimposta e medíocre) de
produzir 23% da sua energia a partir de fontes renováveis até 2020 — ficou em
19% naquele ano. A matriz energética do país é baseada em combustíveis fósseis
poluentes e usinas nucleares, cujos reatores produzem 70% da eletricidade
consumida. Apenas 30% do território francês é coberto por vegetação (grande
parte de reflorestamento) e gramíneas são reconhecidas como
Áreas de Preservação Permanente (APPs) — a propósito, a Europa enfrenta risco
de extinção de mais da metade de suas árvores endêmicas e tem 60% da sua área
dedicada à agropecuária.
O contraste é flagrante: de um
lado, temos a França, com baixíssima cobertura vegetal e consumo de energia
suja; e de outro, o Brasil, conservando seus biomas e investindo em
sustentabilidade na sua produção agrícola. Se a questão fosse realmente sobre
preservação ambiental… mas não é, e o jogo sujo contra o agro brasileiro
continua — no que depender de Macron, por mais cinco anos pelo menos. C’est
triste.
Título e Texto: Caio
Coppolla, Revista Oeste, nº 110, 29-4-2022
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