Um vasto e profundo poço de vaidade inunda
a cabeça do ministro
Augusto Nunes
Luís Roberto Barroso [foto] acha que enxerga no espelho um pai extremoso, marido amantíssimo e filho exemplar. O Barroso advogado acha que sempre esteve do lado certo. O Barroso juiz acha que não cometeu um único e escasso erro desde o desembarque no Supremo Tribunal Federal. Somadas todas as versões, o ministro se acha. O poço de vaidade que lhe inunda a cabeça é tão vasto e profundo que baleias perdidas por lá não correriam qualquer risco de encalhar numa borda. É compreensível que as sobrancelhas impecavelmente alinhadas sintam orgulho: servem de enfeite para os olhos de alguém que tudo sabe e tudo vê.
Barroso acredita visualizar
com nitidez, por exemplo, o certo e o errado. E se imagina capaz de — sem
investigar nada, sem consultar provas e evidências, sem perder cinco minutos
com reflexões — saber quem é culpado e quem é inocente. Uma sumidade desse
calibre precisa de poucos segundos para descobrir o que é informação correta e
o que não passa de fake news. É natural que Barroso reivindique a
camisa 10 do time que anda demarcando a fronteira que separa a mentira (que
ameaça o Estado de Direito) e a verdade (que preserva o regime democrático, as
instituições, a lisura do sistema eleitoral e o respeito que merecem a Corte
Suprema e os defensores da pátria entrincheirados no Pretório Excelso).
Barroso ataca e defende, é
artilheiro e garçom, mata no peito e cabeceia, mas ninguém joga sozinho. No
lance que resultou na cassação do mandato do deputado estadual Fernando
Francischini, por exemplo, fez bonito o armador Edson Fachin. Para justificar a
violência contra o parlamentar paranaense acusado de espalhar fake news na
campanha eleitoral de 2018, Fachin desenhou no horizonte uma zona de
turbulência invisível a olho nu. “Aqui está em questão, mais que o futuro de um
mandato, o próprio futuro das eleições e da democracia”, chutou o especialista
em chicanas chiques. Barroso devolveu de trivela: “As palavras têm sentido e
poder. As pessoas têm liberdade de expressão, mas elas precisam ser
responsabilizadas pelo que falam”.
Barroso recita que há diferenças
entre o caso de Daniel Silveira e um condenado à prisão perpétua que tentou
manter em liberdade
Ao guilhotinar o mandato de Francischini em nome do respeito a leis inexistentes, os superjuízes de araque aceleraram o ritmo das sevícias impostas à Constituição. Os abusos começaram a multiplicar-se em fevereiro de 2021, com a prisão do deputado federal Daniel Silveira. Para tanto, o carcereiro Alexandre de Moraes inventou o flagrante perpétuo, torturou a imunidade parlamentar, eternizou a prisão preventiva e atirou ao lixo uma penca de livros que assinou em parceria com juristas que os escreveram. O cortejo de iniquidade abjetas continuou em 8 de março com a anulação das condenações de Lula por Edson Fachin, parteiro da Lei do Erro de CEP. Prosseguiu em 13 de agosto com a prisão do ex-deputado Roberto Jefferson, presidente do PTB. A arrogância fora da lei chegou ao clímax neste abril, com o julgamento que condenou Daniel Silveira a quase 9 anos de cadeia, fora o resto.
O decreto assinado no dia
seguinte por Jair Bolsonaro, que indultou o deputado com o instrumento da graça
constitucional, interrompeu a marcha da insensatez. Mas a insolência epidêmica
é dura na queda. Alexandre de Moraes avisou que seu prisioneiro particular
segue inelegível. Fake news. Barroso declarou que o presidente da
República anda induzindo as Forças Armadas a interferirem no processo
eleitoral. Fake news. Rosa Weber encaminhou ao Palácio do Planalto
mais um ultimato: Bolsonaro tem dez dias para explicar por que se valeu de uma
atribuição privativa do chefe do Executivo para livrar Daniel Silveira da
ditadura do Judiciário. Haja estupidez. O alvo da cobrança deveria enviar à
ministra uma cópia do decreto e uma pergunta manuscrita: Rosa, você não tem
nada de útil a fazer? Onipotente, onisciente e onipresente, Barroso recita que
há diferenças entre o caso do deputado que ofendeu o Supremo e um condenado à
prisão perpétua que tentou manter em liberdade. Nas duas ocasiões, o presidente
da República obedeceu à Constituição. Mas só Bolsonaro descumpriu a
Constituição. Haja cinismo.
Entre 13 de abril de 2009,
quando assumiu o comando da defesa do terrorista italiano Cesare Battisti, e
março de 2019, quando o cliente (e amigo íntimo) confessou os crimes cometidos,
o doutor em verdades e mentiras administrou uma usina de fake news.
Redundante como carpideira, repetiu que Battisti fora apenas um sonhador
recrutado pelo grupelho Proletários pelo Comunismo. Rebaixou as operações de
extermínio que ensanguentaram a Itália democrática dos anos 70 a peraltices de
adolescentes ansiosos por encurtar a chegada ao paraíso socialista. Aspas para
o preceptor de revolucionários de galinheiro: “Condenar esses meninos e meninas
décadas depois, fora de seu tempo e do contexto daquela época, constitui uma
expedição punitiva tardia, uma revanche fora de época, uma vingança da
História”.
Ele defendeu Battisti de graça
pela beleza da causa: “Libertar um velho comunista, que fazia parte do lado
derrotado da História”. E de onde vinha a crença na inocência do homicida? “O
Cesare me olha nos olhos e fala: ‘Não participei de nenhum desses homicídios’.
Eu acredito no que ele me diz”. Em abril de 2010, a Corte transferiu para o
presidente da República a decisão de acolher ou rejeitar o pedido de extradição
encaminhado pela Itália. Em 31 de dezembro, Battisti virou asilado político. Na
noite de 8 de junho de 2011, nas cercanias da sede do STF, Barroso comoveu-se
ao empalmar uma cópia do alvará de soltura do criminoso preferido. Caprichou na
pose de homenageado de estátua equestre. Caiu do cavalo quando Cesare revelou
que iludira durante dez anos o ministro que se considera um exímio caçador de
falsidades.
O presidente que se negou a
extraditar o criminoso envolvido em quatro homicídios, dois dos quais como
autor, pediu desculpas “à esquerda italiana”. Tarso Genro, ministro da Justiça
de Lula e estalajadeiro preferencial do terrorista em recesso, declarou-se
“enganado”. Barroso não deu um pio sobre seu desempenho como fiador de mentiras
deslavadas. Deve estar ocupado demais com a campanha contra Bolsonaro. E parece
ainda acreditar que é uma espécie de personificação do Bem, como se apresentou
a Tabata Amaral no sarau financiado por um bilionário ocioso. Também em João de
Deus ele vislumbrou o Bem em forma de gente — até que dezenas de mulheres
revelassem que o médico formado na faculdade do Além sempre foi um estuprador
compulsivo.
O juiz não comenta o caso do
curandeiro tarado que vivia louvando. Oficialmente, João de Deus continua
responsável por ter livrado o ministro de um câncer. Mesmo depois de cair no
conto do terrorista heroico, apesar de tapeado pelo doutor em estupro, Barroso
continua se achando. Brasileiros que pensam acham apenas que age no Supremo um
presunçoso patológico. É coisa de nascença. É defeito de fabricação. Isso não
tem cura.
Título e Texto: Augusto
Nunes, Revista Oeste, nº 110, 29-4-2022
... se acha um perfeito imbecil.
ResponderExcluirCarina Bratt
Ca
de Santos, São Paulo