A graça concedida pelo presidente Jair Bolsonaro ao deputado federal Daniel Silveira é plenamente constitucional
J. R. Guzzo
Descontados o falatório vadio, os argumentos sem nexo lógico elementar e as desculpas esfarrapadas, temos neste momento a seguinte situação: as “oposições”, a média das “análises políticas” e a ideia de que o Supremo Tribunal Federal tem de governar o Brasil, se é que isso chega a ser uma ideia, acabam de levar um xeque-mate.
O perdão concedido pelo
presidente da República ao deputado Daniel Silveira não foi previsto por
ninguém e deixou o partido do STF sem condições de ter uma reação coerente; ao
mesmo tempo, é certo que não há grande coisa que se possa fazer para anular o
que está feito. O decreto que dá o indulto é plenamente constitucional. As
queixas automáticas apresentadas contra ele no STF ficaram num nível
estudantil, ou nem isso.
O próprio ministro Alexandre
de Moraes, figura central de todo este tumulto, decidiu em 2018 que o então
presidente Michel Temer tinha, sim, o direito indiscutível de perdoar
condenados na Operação Lava Jato. Não precisava justificar nada, não tinha de
pedir licença a ninguém, podia perdoar de forma coletiva ou individual, podia
desfazer qualquer sentença — enfim, disse Moraes, pode-se gostar ou não, mas o
indulto presidencial é um ato juridicamente perfeito, que não está sujeito à
apreciação superior.
Mas então é possível anular os
efeitos de uma sentença da Justiça, dada em sua Corte mais alta? Sim, é perfeitamente
possível. Paciência: indulto presidencial é isso mesmo, segundo estabelece a
Constituição. Ele sempre desmancha uma decisão judicial, e não pode ser de
outra forma — não for assim, não existe indulto. Além do mais, de lá para cá,
essa coisa de perdoar crimes cometidos só avançou numa direção — a de perdoar
mais ainda.
Fica realmente complicado, no Brasil de hoje, dizer que o indulto de Daniel Silveira será um “incentivo à impunidade”. Nem se fale aqui das liberações em massa das penas da Lava Jato, dos corruptos que hoje reclamam indenização, ou das 25 questões que jazem nesse mesmo STF contra o senador Renan Calheiros, um dos mais irados opositores do decreto presidencial.
O assunto morre e fica
sepultado com a anulação das quatro ações penais que salvaram o ex-presidente
Lula, num dos momentos mais insanos da Justiça brasileira — sumiram,
simplesmente, as suas condenações pelos crimes de corrupção e lavagem de
dinheiro, em terceira e última instância, e por nove juízes diferentes. Depois
disso, quem pode reclamar do quê?
Não melhora em absolutamente
nada a situação dos que estão revoltados com o indulto, a começar pelos
ministros do STF, a circunstância de que o seu líder espiritual, moral e
político, o ex-presidente Lula, perdoou o terrorista Cesare Battisti —
condenado pela Justiça da Itália e então refugiado no Brasil. Daniel Silveira
fez um vídeo falando mal do STF; Battisti assassinou quatro pessoas. Na ocasião
em que foi dada a graça, o STF tinha decidido pela sua extradição para a
Itália; Lula anulou a sentença, ao conceder ao condenado a permanência
no Brasil como homem livre. Hoje, entregue às autoridades italianas pela
Bolívia, para onde tinha fugido depois da eleição de Bolsonaro, Battisti está
numa prisão de segurança máxima. Mas nada vai apagar a decisão de Lula, e menos
ainda a lembrança de quem foi o advogado do terrorista na obtenção de seu
indulto — o atual ministro Luís Roberto Barroso.
É um nó de marinheiro,
daqueles que ninguém consegue desfazer. O STF talvez devesse ter pensado na
possibilidade do indulto na hora em que se dedicava a condenar o deputado a
quase nove anos de prisão fechada, ao fim de um processo ilegal em tudo. Agora
levou um “basta”. Vai ter de conviver com ele — ou jogar o país numa crise
entre Poderes de efeitos desconhecidos.
Título e Texto: J. R. Guzzo,
O Estado de S. Paulo, via Revista Oeste, 27-4-2022, 18h
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