Não são os “disparos automáticos”, os “robôs” e os algoritmos que incomodam o Supremo. O que assusta a todos eles, na verdade, é o que as pessoas têm a dizer
J. R. Guzzo
A imprensa, o Supremo Tribunal Federal e a esquerda que vive da compra, venda e aluguel de más ideias descobriram há tempos os seus piores inimigos — as redes sociais. É um sinal dos tempos, e um sinal bem ruim, que se considere pecado mortal aquilo que é uma das mais espetaculares conquistas do espírito humano; a internet é resultado direto do avanço da ciência e da tecnologia, e quando o progresso é tratado como se fosse uma manifestação do mal por uma parte da sociedade, estamos com um problema evidente. Ninguém diz, é claro, que é contra o progresso. Mas todos os que hoje combatem a atuação das redes sociais na política, e especialmente nas eleições de outubro próximo, são contra o progresso de que não gostam — e o “conteúdo” das redes é o tipo do progresso de que não gostam nem um pouco. Na verdade, é mais simples do que isso. O inimigo da mídia, do STF e da federação dos “progressistas” não é a internet. É o público. Nada assusta tanto essa gente como um brasileiro de carne e osso com uma cabeça para pensar e uma voz para dizer o que pensa.
Não deveria ser assim — ou, ao
contrário, talvez tenha mesmo de ser assim. O que atrapalha a vida dos meios de
comunicação de massa hoje em dia é a falta de massa, ou seja, de leitores, de
ouvintes e de telespectadores. O problema do STF é a recusa em respeitar as
funções que lhe foram atribuídas pela Constituição Federal. A esquerda, enfim,
sofre com a escassez de votos em quantidade suficiente para formar uma maioria
clara no Brasil. Em vez de se concentrarem na busca de soluções para estas
dificuldades, porém, ficam irados com a internet. A mídia está ressentida com
as redes sociais porque elas lhe tiraram o público — ou, mais exatamente, a
relevância que imaginavam ter junto ao público. O STF se enerva porque não pode
eliminar a imagem miserável que tem junto à população nas redes; pode prender o
deputado Daniel Silveira, socar inquéritos nos inimigos políticos e aterrorizar
senadores e deputados, mas não controla o que se diz pela internet. A esquerda
nunca conseguiu predominar nas redes sociais; está perdendo a batalha, aí, para
a direita, e não se conforma com isso.
A
única opção numa democracia é conviver com as contrariedades — e pagar o preço
da sua liberdade respeitando a liberdade do outro
Uma coisa é juntar meia dúzia de delinquentes, botar camisa vermelha e invadir propriedades, sob o olhar distante da polícia e do Ministério Público. Também é fácil escrever editoriais dizendo que o presidente da República matou 600.000 pessoas, e que vai dar um golpe de Estado se ganhar a eleição. (Imaginem, então, se perder.) Não há nenhum problema, se você é ministro da principal corte de justiça do país e lhe permitem que faça tudo, indiciar em inquéritos os adversários, expedir ordens de prisão para a Interpol e distribuir tornozeleiras eletrônicas. Tudo isso é barato, e está disponível em tempo integral. O problema é fazer os demais cidadãos pensarem como você pensa. A única opção numa democracia é conviver com essas contrariedades — e pagar o preço da sua liberdade respeitando a liberdade do outro. Mas a mídia, o STF e a esquerda não querem uma democracia no Brasil; na verdade, são hoje as forças que mais combatem a liberdade neste país. Voltam todas as suas energias, assim, para as mais variadas tentativas de prender as redes sociais numa camisa de força.
O
único concorrente real de Lula, o presidente da República, foi definido pelo
ministro Luís Roberto Barroso como “o inimigo”
É raro passarem três dias
seguidos sem que o STF ponha para fora o seu rancor contra o que o público está
dizendo. Conduz há mais de três anos um inquérito absolutamente ilegal, e
aparentemente perpétuo, para punir “atos antidemocráticos” e bloquear a
divulgação daquilo que considera fake news — ou seja, qualquer tipo de notícia,
pensamento ou opinião que o ministro Alexandre de Moraes, por alguma razão,
quer castigar. Fez acordos com as multinacionais que controlam as redes para
censurar postagens feitas durante a campanha eleitoral. Ameaça com prisão os
infratores das leis não existentes que vão inventando para defender as suas
posições políticas. Interfere grosseiramente no processo da eleição
presidencial — isso para não falar no candidato que o ministro Edson Fachin
criou, um condenado pela justiça por corrupção e lavagem de dinheiro que
legalmente não podia ser candidato. O STF trabalha por sua vitória de maneira aberta
— o único concorrente real de Lula, o presidente da República, foi definido
pelo ministro Luís Roberto Barroso como “o inimigo”. Mas nada disso parece
suficiente. O ataque às redes promete continuar até o dia da eleição.
A última explosão de hostilidade
veio do ministro Moraes. Numa plateia onde se sentavam peixes graúdos do PT e
outros devotos da candidatura do ex-presidente Lula, Moraes decidiu apresentar
o que faz parte da visão filosófica, digamos assim, que tem sobre a questão. “A
internet deu voz aos imbecis”, disse ele, repetindo uma frase já cansada e
supostamente sábia que qualquer autor de palestra de autoajuda utiliza no seu
ganha-pão diário. Quem disse isso, vários séculos atrás, foi um desses
intelectuais-vagalume que piscam por uns instantes, e em seguida se apagam na
noite, depois de fazerem sucesso temporário com alguma ideia deixada pela
metade. É um dito interessante, mas a verdade é que a internet deu voz,
realmente, ao público. Aos imbecis, especialmente? Não: deu voz a todos. Foi uma
revolução. Pela primeira vez na história da humanidade, desde que o homem saiu
da caverna e evoluiu até andar na Lua, todos os seres humanos que consigam ler
e escrever, qualquer um deles, podem dizer em voz alta o que pensam ou têm
vontade de dizer — basta ir ao celular e teclar o que lhes vem na cabeça.
Podem, ao mesmo tempo, ouvir tudo o que está sendo dito. Pronto: ninguém
precisa mais dar entrevista no jornal, ou pedir licença da autoridade, para
dizer o que quer. Também não está mais limitado a ler, ouvir ou ver os meios de
comunicação para saber o que está se falando na praça.
O que aparece, então, é o que
as pessoas acham das coisas, do mundo e da vida, nem mais nem menos. Não gostam
do que está sendo dito? Paciência. Vai ser preciso trocar de humanidade e achar
uma mais ao gosto do ministro Moraes e seus colegas do STF, dos jornalistas e
do candidato da esquerda à Presidência da República. A humanidade que existe na
vida real é essa aí. É duro, com certeza; a maioria dos 8 bilhões de habitantes
da Terra, e dos 200 milhões de brasileiros, não é de grandes pensadores, nem de
Einsteins e nem mesmo, talvez, de pessoas atraentes. Mas se são “imbecis” ou
não, como repete o ministro Moraes, não vem ao caso; são seres humanos com
direitos iguais ao dele, ou de qualquer pessoa, a expressarem o que pensam em
público. O que dizem nas redes é o que têm dentro de si; se o que têm dentro de
si são essas coisas que estão dizendo, sentimos muito, mas é inevitável
aceitar. O que o STF, a mídia e a esquerda querem é restringir, limitar e
reprimir o pensamento. Isso é a marca mais clássica das ditaduras.
Se
Moraes considera “imbecis” os que discordam das suas posições políticas,
qualquer um pode dizer a mesma coisa dele
Não são os “disparos
automáticos”, os “robôs” e os algoritmos que incomodam o Supremo, como querem
fazer crer os seus inquéritos, os seus agentes na “justiça eleitoral” ou o
noticiário maciço da imprensa. O que assusta a todos eles, na verdade, é o que
as pessoas têm a dizer. Não é difícil entender. Até há pouco só a mídia, os
supremos tribunais e as elites tinham condições de expor o que pensavam; a
liberdade de expressão só se aplicava à “gente bem”, com dois ou três
sobrenomes, dinheiro no banco e curso de “humanas”. Hoje, por força das redes,
todo mundo fala e, principalmente, todo mundo fica sabendo o que se fala. O STF
e a sua atual companhia não suportam essa realidade. Da mesma maneira, é falso
que alguém nesse bonde esteja realmente preocupado com o mau uso que é feito da
internet. Ninguém no Supremo dá a mínima para a onda de crimes digitais que
oprime o Brasil; pouco se lhes dá se roubam o Pix, invadem contas bancárias ou
clonam celulares. Não querem, ali, punir os bandidos. Querem punir a sua
opinião. Também não são os delitos cometidos com a palavra que estão envolvidos
na guerra contra as redes; todos esses crimes são perfeitamente previstos no
Código Penal Brasileiro, e não precisam mais de lei nenhuma para serem
combatidos. Experimente dizer na internet que o seu vizinho é ladrão de cargas
ou traficante de drogas; ou melhor, não experimente, porque quem fizer isso vai
acabar com um processo por calúnia nas costas.
A internet, como diz o
ministro Moraes, dá a voz aos imbecis. O que Moraes não diz é que a internet
também dá voz a ele. Temos um óbvio problema aí. Por que raios o ministro julga
que a sua voz é linda e a voz dos outros não é? Quem é ele para decidir quem é
imbecil e quem é inteligente, ou quem é qualificado o bastante para se exprimir
nas redes sociais? Se Moraes considera “imbecis” os que discordam das suas
posições políticas, qualquer um pode dizer a mesma coisa dele; não existem, no
Brasil ou no mundo, leis estabelecendo regras para a cretinice — ou qual o
nível de excelência mental que as pessoas devem ter para receberem um
certificado de não imbecil. Nada disso, é claro, tem o mínimo interesse para os
inimigos da internet. No momento, só pensam numa coisa: ganhar a eleição. Se a
liberdade está no caminho, pior para a liberdade.
Título e Texto: J. R. Guzzo, Revista Oeste, nº 113, 20-5-2022
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