Humberto Pinho da Silva
Na primeira metade do século XX floriram em Portugal vários jornais, muitos de caráter ideológico; com eles, notáveis jornalistas, que deram brado e ficaram na História do Jornalismo português. Entre eles, destaca-se Pedro Correia Marques [foto], que foi redator de "A Época" e chefe da redação de "A Voz", e editor do mesmo jornal.
No final do século passado, pedi a Dona Maria
Helena Moreira, que falasse de seu pai. Não da atividade profissional – que é
sobejamente conhecida, – mas da sua personalidade, modo de conduta e caráter.
A filha mais nova do jornalista (a caçulinha, como
dizem carinhosamente os brasileiros,) moradora em Londrina, narrou-me curiosas
e inéditas facetas desse grande jornalista, estimado e respeitado na sua época,
principalmente em Lisboa.
Era discreto e humilde. Orava, normalmente, em
privado. Nas horas das refeições, rezava em latim.
Era devoto de Nossa Senhora e S. Pedro apóstolo. Gostava muito de Santo António. Chegou a escrever um livro. "Vida Maravilhosa de Santo António", ilustrado por Tom (D. Tomás Maria da Câmara - filho de D. João da Câmara e de sua mulher Dona Eugénia de Mello Breyner - diretor do Colégio Padre António Vieira, no Rio de Janeiro - de quem minha querida amiga Dona Maria Eugénia, sua sobrinha e afilhada, falava-me com muito carinho e admiração.
Pedro Correia Marques, segundo sua filha, gostava de brincar com as crianças, principalmente as da família.
A caçulinha recordou, algumas cenas tocantes, que assistiu ou que escutou a seus irmãos. Entre elas, lembrou-se que quando tinha dez anos, o pai a levava às matinês de Carnaval, no cinema. Pedia à mulher para a mascarar. Nessa época tinha sessenta anos. Sentava-se na plateia, com chapéu "à diplomata". Acabada a sessão, dirigia-se para a redação de "A Voz". Antes, porém, ia à confeitaria, e enchia a menina de bolos.
A mulher, quando a filha chegava a casa,
ralhava-lhe, por ter comido alimento impróprio para crianças. Esta defendia-se
energicamente: "Eu não pedi. O pai é que me deu!...". A
mãe ria-se, sacudindo a cabeça.
Levava-a, muitas vezes, para o seu gabinete no
jornal. Fazia-lhe caminha improvisada com jornais e cobria-a com sobretudo.
Durante a 2ª Grande Guerra, ajudava ternurosamente os refugiados, que
procuravam auxílio na redação do jornal.
Nessa ocasião – ele e a mulher – tomavam as
refeições antes, na cozinha (pão e couves cozidas com água e sal). Os avós e os
cinco filhos comiam depois refeição mais suculenta.
Quando ia de férias à terra natal, sempre visitava
pobríssima mulher, cega e velhinha, a "tia" Maria Gaia, que fora sua
catequista. Quando esta o pressentia, dizia alegremente: "És tu,
Pedro?". Deixava-lhe farta esmola.
Certa manhã apareceu na redação, estagiário,
estudante universitário, muito pobre, que trabalhava para auxiliar a família,
chamado Marcelo Caetano (mais tarde Professor e primeiro-ministro).
Nos dias de serão, como não tinha dinheiro para
regressar a casa de táxi, ia a pé, se perdia o último jornal.
Pedro Correia Marques, sabedor disso, mandava-o
embora mais cedo, e ficava a fazer o seu trabalho – rever, corrigir textos. Era
nesse tempo, já o editor do jornal!
Se me permitem, vou agora apresentar
resumidamente, a biografia desse homem, que subiu a pulso, e chegou a ser nome
sonante na vida intelectual portuguesa.
Nasceu a 26 de abril de 1890, em S. Pedro de Rates
– Póvoa do Varzim.
O pai de Pedro Correia Marques era viúvo, quando
casou com a mãe. Tinha cinquenta e cinco anos; a mãe contou aos pais o namoro e
seu desejo de se casar. Estes não concordaram e meteram-na num convento. Ao fim
de dois anos, atingindo a maioridade, casou contra a vontade dos pais, e do
filho mais velho do viúvo, que foi para o seminário – mais tarde, Padre
Marques, vigário de Cousel.
Quando o menino nasceu, fizeram as pazes, e os
avós foram convidados para padrinhos. Escolheram o nome do santo do dia do
nascimento: S. Pedro de Rates. Mais tarde, após a morte do marido, a mãe casou
novamente.
Frequentou a escola Luís de Camões. Ao perfazer
dez anos, foi para a Escola Claustral de Singeverga. Foi oblato de S. Bento,
sob o nome denominado de fr. Hildbrand (usou esse pseudônimo, algumas vezes, na
vida literária:)
Aos dezanove anos, não querendo ser sacerdote,
ofereceu-se para o exército. Apresentou-se em Infantaria 20 – Guimarães.
Seguindo para Lisboa – Infantaria 16.
A 4 de outubro de 1910, participou na revolução
republicana, ao lado das tropas fiéis ao Rei.
Mais tarde aliciou colegas do quartel para
realizarem uma revolução monárquica. Foi descoberto e preso no Castelo de S.
Jorge, junto com presos comuns. Decorrido um ano foi absolvido e libertado. Na
prisão tornou-se amigo de Tom, que era conhecido na cadeia pelo número 2099.
Amigos apresentaram-no ao Padre O'Sullivan,
diretor de "O Rosário", que o contratou como contínuo (ganhava 5 reis
ao mês), até que o Padre, reconhecendo seus conhecimentos excecionais,
confiou-lhe missões jornalísticas.
Um dia, o Padre Alves Terças, administrador de
"A Época", convidou-o para trabalhar na redação do jornal, que era do
Conselheiro Fernando Sousa.
Faleceu a 8 de agosto de 1972.
Título e Texto: Humberto Pinho da Silva, maio de 2022
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