Humberto Pinho da Silva
Todos reconhecem Camilo Castelo Branco como escritor talentoso. Admiram-lhe a riqueza do vocabulário e a vernaculidade da prosa.
Pensam, contudo, os menos versados em literatura,
que realizou aturados estudos para obter a invulgar cultura que possuía, ou que
frequentou curso de Letras.
Encontram-se redondamente enganados os que assim
pensam. Foi péssimo aluno, não por ausência de capacidade intelectual, mas
porque era cábula e incorrigível boêmio.
Na adolescência teve dois sacerdotes como
professores: o Padre António de Azevedo, cunhado da sua irmã Carolina, e o
Padre Manuel da Lixa, mestre de latim e famoso pregador.
Mas o proveito desse ensino foi diminuto, porque
frequentemente fugia de casa, e pouco estudava. Ausentava-se para os montes,
vagabundeava, errando pelos caminhos ou permanecia sentado no espigão de uma
fraga, mirando e meditando na paz e placidez poética das serras, que se
desenrolavam, ondeando, umas após outras.
Por fim a família assentou enviá-lo para o Porto,
para prosseguir os estudos.
Veio a cavalo (macho?) de Vilarinho de Samardã,
com 18 anos, em 1843. Deixou, na aldeia, a mulher, com quem casara com 16 anos,
e o grande amor, por quem estava, na ocasião, apaixonado, a Maria do Adro.
Na cidade do Porto prestou provas no Liceu Nacional, a 12/13 de outubro.
Matriculou-se, de seguida, na Escola médica, no 1º
Ano de Anatomia; pouco depois começou a frequentar a Academia Politécnica, a
cadeira de Química.
Como estroina que era, não estudava, nem
compêndios comprava! Era seu professor, o Frade Joaquim de Santa Clara de Sousa
Pinto. Muitas vezes saía de gatas da sala de aula, para passar despercebido do
mestre.
Morava em velho e delapidado prédio, na Rua
Escura, a miúdo subia ao telhado, já que vivia nas águas-furtadas, com viola e
livros.
Na véspera de exame estava à porta do
Quartel-General a ouvir música (ária da Norma) resolvido a não fazer prova,
porque nada sabia.
De súbito, surge-lhe o amigo e condiscípulo,
Francisco Pereira Amorim de Vasconcelos, que o incentivou a ir a exame,
prontificando-se a explicar-lhe a matéria.
Durante horas, Camilo escutou-o atentamente, até
às 2 da madrugada.
No dia seguinte apresentou-se para fazer prova… e
passou!...
Só alguém com a inteligência de Camilo seria capaz
de assimilar em pouca horas a matéria, e conseguir prestar satisfatoriamente
exame!
Pena é que o genial escritor nunca se tenha
aplicado afincadamente ao estudo.
Onde chegaria se não fosse tão preguiçoso e
desinteressado, o maior prosador da língua portuguesa?
Título e Texto: Humberto Pinho da Silva,
abril de 2022
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Que ingratidão!...
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