domingo, 15 de maio de 2022

[As danações de Carina] Que fim levaram as gírias?!

Carina Bratt

NO TEMPO em que euzinha tinha onze para doze anos, a criatura ‘careta’ era uma pessoa ‘conservadora’. As pessoas não ‘iam embora’, ‘davam no pé’. O sujeito ‘bacana’ se achava ‘bonito’, bom aproveitável e impecavelmente legal, assim como ‘podes crer’, se entendia quando alguém falava alguma coisa e a gente simplesmente acreditava que era verdade, mesmo que não fosse. Algo ‘grandioso’ não vingava para além de ‘maneiro’, grosso modo, ‘um estouro’.

Minhas amigas da redação batem o pé e chamam o mesmo ‘grandioso’ de ‘putis grilo’. O que é putis grilo?! Um grilo puto? No meu tempo de lustradora de banco de escola a mãe vivia me dizendo que eu ‘aprontava todas’: ‘Carina é uma diabinha ‘traquinas’’. Verdade. As ‘traquinagens’ passavam por mim, tomaram forma e se apoderaram da minha personalidade. Nunca me vi ‘traquinas’, apenas uma garota que tinha um prazer quase sexual de ‘aprontona’.

Papai falava pelos cotovelos, que a sua turma do 38º BI (Batalhão de Infantaria), na Prainha, em Vila Velha, aqui no Espírito Santo, onde fixei residência, gostava de ‘estourar a boca do balão’. Hoje as pessoas que convivem no meu cotidiano, não ‘estouram a boca do balão...’, tampouco ‘pocam’, ou ‘’arrebentam’. Apenas arrasam, ou extrapolam, vão além da imaginação. Meu tio Zé, o ‘galinha’ se julgava um ‘indivíduo quadrado’ de carteirinha e sindicato.

Se vivo fosse, o tio seria visto como um ‘conservador inveterado do tempo do ronca’. ‘Pegador’. ‘Comia todas’. Por falar no Ronca, ou melhor, no tempo dele, o senhor Ronca não roncava. Apenas relaxava os músculos da garganta, e, em face da posição errada em que se deitava, na cama, o som esquisito que produzia se tornava forte e perturbador. É por isso que os roncadores de nosso convívio, não roncam, brincam de ‘motoristas de tratores’, noturnos, ou pior, esturram como se ‘tempesteassem’ num mundinho onde só eles fossem os protagonistas de uma desgastante epopeia.

As pessoas para fazerem compras precisavam ter nos bolsos, ou nas carteiras, um punhado bastante significativo de um papel conhecido como ‘tutu’. O ‘tutu’, com a modernidade virou ‘faz me rir’. Não contente, se formou ‘dinheiro’. Quem tem ‘dinheiro’, ostenta ‘grana’. Quem não é amigo da ‘bufunfa’ para fazer um cego cantar, é um ‘duro’. Nos idos da minha infância, quem não atochava um centavo escondido debaixo do colchão, simplesmente a sociedade o cognominava de ‘pobre coitado’. Ver o ‘circo pegando fogo’ se formou e tirou diploma de ‘supimpa pra dedéu’.  

Atualmente não temos, ou não vemos muitos picadeiros por aí... se houvessem, evidentemente se traduziriam por ‘algo muito legal’. Até bem pouco tempo, o ‘veado’ ou o ‘viado’ -, as ‘bichas’ e ‘afins’, estão lembradas?! -, se cognominavam naqueles sujeitos ‘invertidos’, ou seja, os ‘invertidos’ se constituíam naqueles tresloucados que ‘empurravam o quibe’, ou liberavam os respectivos ‘canos de descarga’... hoje basta um vago ‘escancarar de porta’ e ‘sair do armário’. No mesmo tom, o ‘ladrão’ de verdade, era ladrão’’.

Quando muito, ‘na delegacia a autoridade o alcunhava de ‘cinco dedos’, ou ‘velhaco’. Na roda de fogo em que vivemos as proezas da Covid-19, e da alta da gasolina, ‘ladrão, gatuno, trambiqueiro, cinco dedos, meliante, cafajeste ou crápula’, tem nome certo e definido: Lula. A moça casta e namoradeira, sussurrava no escutador de futebol do namorado um delicioso ‘pega leve’. Agora o ‘pega leve’ se travestiu de ‘você é pra frente’.

Minhas amigas chamavam meu paquera’ de ‘pão’. Acreditem, meu ‘pão’ virou um ‘homem bonito’. Não é ‘joia?’. Não, é ‘legal?! Estou ‘grilada’. Pior, me vejo ‘preocupada’. Meu pai tinha um ‘carango’, Roberto Carlos um ‘calhambeque’. Mamãe passou na frente dos dois: comprou um carro. Amiga leitora, você que me lê, por favor, não fique ‘pra baixo’, nem se veja ‘borocoxô’. Cai melhor ‘tristinha’. Qualquer palavra dita de modo errado, no meu ontem dava ‘bode’.

‘Dona Justa’ se fazia presente. Hoje, bem hoje a coisa acaba em polícia e ‘Confusão’. ‘Barra limpa’ mudou o rosto. Virou ‘fora de perigo’. ‘Broto’ se abriu em ‘mulher jovem e elegante’, como, igualmente o ‘do arco da velha’ se fez em ‘algo antiquado’. A esposa de um amigo meu adorava ser ‘paparicada’ como ’dondoca’. Agora não liga se aparece nos jornais como a ‘dama da alta sociedade’’. Para quem fica, até domingo que vem. Tudo ‘chuchu beleza’ -, perdão, tudo ‘XUXU’ sem beleza. E sem Xuxa ou ‘rainha dos baixinhos’.  Nunca foi.

Título e Texto: Carina Bratt. De Vila Velha, no Espírito Santo. 15-5-2022 

Anteriores: 
Mãe 
De um anjo Muritibano 
Pra sempre 
Pequenos arranjos para gritos sem ecos 
[As danações de Carina] Somos como instrumentos de uma orquestra parada, à espera do maestro 
Pra não dizer que não falei do amor... 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-