terça-feira, 24 de maio de 2022

[Estórias da Aviação] De Fortaleza a Uruguaiana, simplesmente inesquecível

José Manuel

O ano era 1973, e eu na instrução pra cima e pra baixo neste Brasil continental.

Eram de três a quatro turmas de comissários por ano, devido à futura chegada do DC-10 no ano seguinte, e o volume de promoções ao novo equipamento era muito grande, precisando de reposições em todos os cargos e equipamentos com urgência no setor nacional.

Era realmente muito trabalho, mas tinha que ser executado e o era por doze instrutores, e eu um deles.

Estava habilitado tecnicamente no AVRO, no ELECTRA, no FH-227, no B-727, e no B-707. Só não voava o 14-Bis, porque o máximo de equipamentos permitidos era cinco. Isso significava ter feito o curso de todos eles e provas no DAC para obtenção dos certificados.

E voava todos eles, dia sim outro também, fora os relatórios de cada um dos futuros tripulantes habilitados.

Então, num belo dia, a minha escala dizia que eu iria a Fortaleza, saindo do Rio, via Recife, e Natal.

Pernoitaria em Fortaleza e no dia seguinte voltava por Natal, Recife, Rio e prosseguia por São Paulo até Porto Alegre. Àqueles que não conhecem, aviação parece ser cansativo, e realmente é. Muito!

Mas éramos jovens e voar o 727, aquele belo avião, o “Cadillac dos céus " era mais que uma aventura, era um prazer indescritível.

Era novo, silencioso, de última geração à época, um ar-condicionado perfeito, uma delícia para voos do nordeste e norte. Um serviço de bordo primoroso, pensado nos mínimos detalhes, coisa que as novas gerações, tanto de tripulantes como passageiros, jamais conhecerão, nem em sonhos.

A programação de escala foi rigorosamente cumprida, tanto na subida como na descida, e chegamos a Porto Alegre por volta das 15h depois de ter decolado de Fortaleza às 7h da manhã.

Fomos então para o hotel, e assim que cheguei ao quarto, banho tomado, mala desfeita, deitei-me na cama, moído de cansado e…. o telefone tocou!

– Zé Manuel... (logo pensei no Plínio), mas era o D'Avila, Gerente da DSB em Porto Alegre.

– Tudo bem Sr. D'Avila, em que posso ajudar?

– Estamos com um problema aqui no aeroporto. Nosso AVRO está na pista para o voo do interior, os passageiros retidos na estação, o voo está atrasado uma hora porque o Comissário escalado não apareceu.

– Então?

– Então, estou te requisitando para fazer o voo e uma kombi está indo te buscar.

– Tudo bem, mas e a regulamentação e o seguro de toda a tripulação?

– Já está tudo providenciado com a tripulação técnica e o Diretor se responsabiliza pela tua regulamentação.

Diante disso, a única alternativa foi colocar o uniforme ainda quente de Fortaleza e rumar na minha sempre amiga kombi azul e branca, para as asas do AVRO à minha, espera na pista.

– Boa tarde, Comandante, me apresentando, e como o senhor já deve estar ciente estou chegando de Fortaleza e vou estourar a regulamentação no meio deste voo

– Tudo bem, José Manuel, estamos cientes e não podemos deixar quarenta passageiros no aeroporto.

– Por mim tudo bem, Capitão, só queria saber da sua ciência sobre o fato.

– Faça apenas o que puder e se precisar estamos aqui para ajudar.

– Ok, pode então ordenar o embarque.

E aí, decolamos para Bagé, depois Livramento, depois Uruguaiana, depois Alegrete, depois Santa Maria, chegando de volta a Porto Alegre às 2h horas da madrugada.

Foi épico, pois não sabia se sorria por ter levado todos a seus destinos, honrando o nome da VARIG, ou se chorava de tanta dor no corpo!

3h da manhã, sentava de novo na mesma cama e não me recordo se tomei banho, tampouco se tirei a roupa, depois de ter acordado às 5h da manhã em Fortaleza, ou vinte e uma horas de uniforme!!!

No dia seguinte embarquei como passageiro num 727 em Porto Alegre e só acordei na chegada ao Rio.

Esse foi o meu recorde. Uma hora a mais que Rio, Luanda, Abidjã, Lisboa.

Título e Texto: José Manuel – a VARIG, ao longo de 32 anos me deu muito mais do que apenas algumas horas extras de uniforme.

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