Humberto Pinho da Silva
Ao reler Érico Veríssimo deparei, em Olhai
os Lírios do Campo, a passagem referente ao homem que desejava ir para o
hospício.
Este, ironicamente, esclarecia que estava louco,
nunca perdera o ponto. Só faltava ao trabalho por doença grave. Nunca aceitara
gorjeta. Achava que o funcionário público tinha obrigação de atender todos com
presteza. O que arranjou com isso? Nada. Os malandros subiram. Ele ficou.
O lúgubre desabafo desse inditoso homem ao Dr. Eugênio fez-me recordar, com mágoa, operário – que subiu a pulso na hierarquia de empresa – que conheci na última década do século vinte, que durante quase quarenta anos labutou arduamente, e no crepúsculo da vida profissional apartaram-no do cargo, por estar velho!...
Foi o que lhe disseram, mas a verdadeira razão era
colocar no seu lugar, trabalhadora militante do partido dos patrões. De olhos
taciturnos e baços, dizia-me amarguradamente: "Quantas vezes trabalhei
para além das horas obrigatórias, para que o serviço estivesse pronto à hora
combinada. Não ganhava mais por isso, apenas recebia um muito obrigado...
quando recebia! Os meus camaradas riam-se à socapa dessa dedicação e murmuravam
entre si "ainda vai receber medalha de cortiça!...
Não ganhei de cortiça, nem de prata, nem de ouro... mas surpreenderam-me quando me louvaram pelos anos de lealdade.
Alegrei-me: afinal fui reconhecido!... Meses
depois – três – o capataz, já falecido, chamou-me para informar que estava
próximo de ser aposentado. Merecia, portanto, descansar...Teria, no tempo que
restava, menos tarefas, portant,o redução de salário, mas devido à idade,
compensa!...
Ainda levantei a voz em modesto protesto, mas o
capataz-chefe, aos brados, abafando as minhas tímidas palavras de espanto,
vociferando quase histericamente: "Foram eles!... Foram eles!..."
(Eles quem?!)
Hoje, o taciturno homem, quando me cruzo com ele,
na rua, vejo-o de passo compassado, rosto envelhecido e macerado, de semblante
descaído e sorumbático, e fico a cogitar:
quantos, como ele, ainda julgam candidamente que – ser honesto,
respeitador e cumpridor, basta para ser compensado?!
Esquecessem os ingênuos que nos nossos dias o
sucesso não depende apenas da inteligência, dinamismo e dedicação. Para alcançar
cargo iminente, em qualquer firma importante, além desses predicados, é mister
ser militante de partido do poder, e, principalmente, possuir
"padrinhos" poderosos.
Disse nos nossos dias, mas diria muito melhor:
sempre assim foi, em democracia ou ditadura...
Título e Texto: Humberto Pinho da Silva,
março de 2022
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