Gazeta do Povo
Durante a Operação Lava Jato, ficou conhecido o termo lawfare – o uso da lei e dos tribunais para fins de perseguição política. Os responsáveis por dar publicidade ao conceito foram os defensores do então ex-presidente Lula, para os quais o petista era vítima desse instrumento. Estavam enganados, obviamente: o material probatório contra Lula era farto; os processos seguiram à risca os códigos e as condenações foram reafirmadas em mais duas instâncias; mesmo a anulação dos processos, em 2021, exigiu que o STF desse um giro de 180 graus sobre algo que já havia decidido antes, a competência da 13.ª Vara Federal de Curitiba para julgar as ações contra Lula. Mas o fato de o lawfare não ter sido empregado contra o petista, hoje de volta ao Planalto, não significa que os tribunais brasileiros não o estejam empregando, e duas decisões recentíssimas demonstram bem como o direito pode, sim, ser retorcido para garantir que certos atores acabem alijados da vida política nacional.
Nesta sexta-feira, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) encerrou o julgamento que tornou o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível até 2030. Ao relator Benedito Gonçalves [foto] somaram-se os ministros Floriano de Azevedo, André Tavares, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes; foram vencidos os ministros Raúl Araújo e Kassio Nunes Marques. Dias atrás, neste espaço, explicamos por que a acusação de abuso de poder político e econômico feita a Bolsonaro, devido à reunião com embaixadores em maio de 2022 na qual o então presidente expôs sua posição sobre o sistema de votação com urna eletrônica sem comprovante impresso, não se sustentava e jamais poderia ser motivo para uma inelegibilidade.
Ministro Benedito Gonçalves. relator da ação no TSE, votou pela inelegibilidade de Jair Bolsonaro e foi seguido por outros quatro ministros. Foto: Antonio Augusto/Secom/TSE |
Casos de Bolsonaro e Dallagnol demonstram bem como o direito pode ser retorcido para garantir que certos atores acabem alijados da vida política nacional
Bolsonaro, assim, se junta a outros políticos do espectro direitista ou conservador que estão fora do páreo político graças a decisões do TSE. Um deles é o ex-deputado federal e ex-procurador Deltan Dallagnol, que teve seu registro de candidatura cassado graças a uma teratologia que substituiu a aplicação da lei por um exercício de adivinhação. Dallagnol, que havia sido o candidato à Câmara mais votado no Paraná, objetivamente não se encaixava em nenhuma das hipóteses de inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa, mas os ministros, de forma unânime, seguiram o relator (novamente, Benedito Gonçalves) e contrariaram as instâncias inferiores da Justiça Eleitoral e a Procuradoria-Geral Eleitoral para inventar uma “inelegibilidade por possibilidade”: como havia a possibilidade de Dallagnol ter de responder a processos disciplinares antes de pedir exoneração do Ministério Público Federal, isso já bastaria para torná-lo inelegível. Uma decisão sem base na lei, sem base nos fatos, sem base na lógica.
Acabamos de afirmar, neste
espaço, que em uma democracia “não se perseguem – seja ostensivamente, seja de
forma mais sutil – adversários políticos do governo de turno, expurgando-os,
cassando seus mandatos ou impedindo-os de participar de eleições de forma
arbitrária, contornando a lei e o devido processo legal”. Foi assim, impedindo
todos os seus adversários de concorrer, que o ditador Daniel Ortega conseguiu
uma “reeleição” recente na Nicarágua, e que Nicolás Maduro afasta quem quer que
tenha chance de destroná-lo se um dia a Venezuela puder ter eleições sem fraude
novamente – a mais recente vítima desse modus operandi é a ex-deputada Maria
Corina Machado. É para isso que o Brasil se encaminha se permitir que casos
como os de Bolsonaro e Dallagnol sigam se repetindo, se a “missão dada”
continuar a ser “missão cumprida”.
Título e Texto: Editorial,
Gazeta
do Povo, 30-6-2023, 17h59
É ditadura mesmo!
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Fora do jogo
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Muito esclarecedor artigo!
ResponderExcluirObrigado pela elucidação.
O jacobino Anarcharsis Cloots escreve République universelle (República universal) em 1792.
ResponderExcluirNo ano seguinte constitui as bases constitucionais da república do gênero humano.
Robespierre, o então senhor todo-poderoso, não gostou. Achou extremista demais. Vai daí, sem tapinhas nem beijos, mandou Anarcharsis para a guilhotina.
Salut!