domingo, 10 de setembro de 2023

[As danações de Carina] Como breu de pouca monta

Carina Bratt

Adultério. É isso que liga três pessoas sem uma saber.’
Leon Eliachar

ÀS VEZES, em nossa vida, tudo parece mergulhar na mais profunda escuridão. Uma espécie de ablepsia profunda, pegajosa, grudenta, colada à pele, de forma tão sedimentada que não nos deixa viver o dia a dia na sua normalidade das horas.

Hoje acordei assim. Meio que para baixo. Sem vontade de nada. Eu e Apa (nome carinhoso como chamo meu patrão Aparecido), fomos convidados para a Bienal aqui do Rio, num espaço formidável que está sendo sediado no centro de convenções do Riocentro, na Barra da Tijuca.

Muitos livros, muitos autores, muita gente circulando. Todavia, no geral, a maioria das pessoas, principalmente as crianças, grudadas em seus celulares, manipulando joguinhos idiotas ou revendo vídeos os mais imbecilizados no tal do Tik Tok. Sem falar em outras desgraças existentes nas redes sociais que desvirtuam nossos jovens das boas coisas da vida.

Dentro de poucos anos, as nossas crianças de agora, os nossos jovens e adolescentes serão um como um bando de zumbis em busca de vida. Uma pena! Voltando ao assunto do texto, capturei, claro, muitos leitores atentos é verdade. Contudo, essas ‘pessoinhas’ formadas por senhoras e senhores nas faixas dos sessenta, setenta, talvez até mais.

Vi em seus semblantes, a avidez pujante por uma boa leitura, pela renovação do conhecimento, e, sobretudo, por levarem para seus lares, coisas novas. Entre eles, autores emergentes, criadores de romances de amor, novelas e folhetins cujas leituras só fazem engrandecer a alma e renovar, de maneira benigna, o nosso estado de espirito igual ao meu, como acordei hoje (meio que para baixo).

Faz um bem danado circular entre os famosos e respirar Machado de Assis, rever José de Alencar, trocar ideias com Zibia Gasparetto, sorrir sem medo de ser feliz com Luiz Fernando Veríssimo, Carlos Eduardo Novaes, Ruy Castro, Nelson Rodrigues, José Mauro de Vasconcelos, Ariano Suassuna, e tantos mais.

Pasmem, minhas amigas e leitoras da grandiosa e querida família ‘Cão que Fuma’. Encontrei, por mero acaso, alguns livros do saudoso escritor Leon Eliachar. Dois deles que não constavam da minha biblioteca. Faço referência ao ‘O homem ao quadrado’ e ‘A mulher em flagrante’. Trouxe comigo, sem mais perca de tempo. Agora, tenho em casa, a coleção completa.

Só lembrando, o que para muitos deve estar esquecido e enterrado. Como o brasileiro não tem memória, e nem sabe o que é memória, Leon Eliachar perdeu a vida estupidamente aqui no Rio, em aos 69 anos de idade ou mais precisamente em seu apartamento, na Rua Raimundo Correia, exatos trinta e seis anos passados.

Segundo consta, o humorista numa bem engendrada emboscada foi assassinado em 29 de maio de 1987 por um marido chifrudo batizado como Alberto Araújo. Esse infeliz contratou um pistoleiro de nome Roy Santos Bauner. Alberto, além de fazendeiro poderoso, e político sujo (como os que hoje temos no poder), também ostentava o título de ‘corno manso’.

Leon Eliachar, segundo apurado, mantinha, em segredo, um ‘enrosca-rabo’ com a esposa dele. Dizem, as más línguas, a fogosa e intrépida Vera Araújo. Roy Santos Bauner, em vista do brutal assassinato, pegou 19 anos, cumpriu 11 de cadeia em face dos advogados contratados, na época, terem reduzido a sua pena. As nossas leis penais, como sempre, um excelente calhamaço de merda fedida elevada ao quadrado.

Às vezes, em nossa vida, tudo parece mergulhar na mais profunda escuridão. Uma espécie de ablepsia profunda, pegajosa, grudenta, colada à pele, de forma tão sedimentada que não nos deixa viver o dia a dia na sua normalidade das horas.

Na Bienal, ao rever por mero acaso alguns livros do Leon Eliachar, mergulhei na mais profunda escuridão. Papai gostava de ler esse cara legal nascido no Cairo, Egito, em 12 de outubro de 1922. Um verdadeiro ‘Cairooca’ como ele se autointitulava. De certa forma, minha passagem pela Bienal, espaço Riocentro, me deixou meio que para baixo.

Por dois motivos inesquecíveis. Além de recordar meu velho pai, surgiu do nada, o Leon Eliachar, que ele tanto amava. Papai lia e relia seus livros e ria... e ria... e ria... ‘adoidadamente,’ de forma, às vezes a chorar descontrolado. Papai se foi e os livros de Leon ficaram.

Faltavam dois. Na minha passagem auspiciosa pela Bienal, refiz a coleção irmanando, aos três, os dois que se faziam ausentes. Em face desse imprevisto, a ausência de luz se dissipou. A negridão se esvaiu completamente de meus olhos e o pretume das recordações adormecidas, o escurecimento ofuscado que me tolhia a paz, se fez luz divinal. E de repente euzinha vi o sol voltar a brilhar lá no infinito. No meu infinito. Perceberam? Simples assim.

Título e Texto: Carina Bratt, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, 10-9-2023

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