Benito Mussolini resumiu a
doutrina fascista numa regra concisa: "Tudo para o Estado, nada contra o
Estado, nada fora do Estado." No Brasil, se você é contra essa idéia, se
você é a favor da iniciativa particular e das liberdades individuais, logo
aparece um chimpanzé acadêmico que tira daí a esplêndida conclusão de que você
é Benito Mussolini em pessoa. E não caia na imprudência de imaginar que essa
conversa é demasiado pueril para enganar o resto da macacada. Quando você menos
espera, guinchados de ódio cívico se erguem da platéia, e uma frota de micos,
lêmures, babuínos, orangotangos e macacos-pregos se precipita sobre você, às
dentadas, piamente convicta de estar destruindo, para o bem da humanidade
símia, um perigoso fascista. Cuidado, portanto, com o que diz por aí. Você não
faz idéia da autoridade intelectual dos chimpanzés na terra do mico-leão.
Na verdade, a idéia oficial de
"fascismo" que se transmite nas nossas escolas não tem nada a ver com
o fenômeno que em ciência histórica leva esse nome. É uma repetição fiel,
devota e literal das fórmulas de propaganda concebidas por Stálin no fim da
década de 30 para apagar às pressas a raiz comum dos dois grandes movimentos
revolucionários do século e atirar ao esquecimento a universal má impressão
deixada pelo pacto germano-soviético. Nessa versão, o fascismo e o nazismo
surgiam como movimentos "de extrema-direita", criados pelo
"grande capital" para salvar "in extremis" o capitalismo
agonizante. É lindo imaginar aqueles banqueiros judeus de Berlim, reunidos em
comissão médica em torno do leito do regime moribundo, até que a um deles
ocorre a solução genial: "É moleza, turma. A gente inventa a
extrema-direita, ela nos manda para o campo de concentração, e pronto: está
salvo o capitalismo."
No entanto as origens e a
natureza do fascismo não são mistério nenhum, para quem se disponha a
rastreá-las em autênticos livros de História.
Todas as ideologias e
movimentos de massa dos dois últimos séculos nasceram da Revolução Francesa.
Nasceram dela e nenhum contra ela. As correntes revolucionárias foram
substancialmente três: a liberal, interessada em consolidar novos direitos
civis e políticos, a socialista, ambicionando estender a revolução ao campo
econômico-social, a nacionalista, sonhando com um novo tipo de elo social que
se substituísse à antiga lealdade dos súditos ao rei e acabando por encontrá-lo
na "identidade nacional", no sentimento quase animista de união
solidária fundada na unidade de raça, de língua, de cultura, de território. A
síntese das três foi resumida no lema: Liberdade-Igualdade-Fraternidade.
A conjuração igualitarista de
Babeuf e seu esmagamento marcaram a ruptura entre os dois primeiros ideais,
anunciando duzentos anos de competição entre revolução capitalista e revolução
comunista. Que cada uma acuse a outra de reacionária, nada mais natural: na
disputa de poder entre os revolucionários, ganha aquele que melhor conseguir
limpar sua imagem de toda contaminação com a lembrança do "Ancien
Régime". Mas para limpar-se do passado é preciso sujá-lo, e nisto
concorrem, com criatividade transbordante, os propagandistas dos dois lados: as
terras da Igreja, garantia de subsistência dos pobres, tornam-se
retroativamente hedionda exploração feudal; a prosperidade geral francesa,
causa imediata da ascensão social dos burgueses, torna-se o mito da miséria
crescente que teria produzido a insurreição dos pobres; a expoliação dos
pequenos proprietários pela nova classe de burocratas que se substituíra às
administrações locais (e que aderiu em massa à revolução) se torna um crime dos
senhores feudais. A imagem popular da Revolução ainda é amplamente baseada
nessas mentiras grossas, para cuja credibilidade contribuiu o fato de que
fossem apregoadas simultaneamente por dois partidos inimigos.
A terceira facção,
nacionalista, passa a encarnar quase monopolisticamente o espírito
revolucionário na fase da luta pelas independências nacionais e coloniais (o
Brasil nasceu disso). A parceria com as outras duas transforma-se, aos poucos,
em concorrência e hostilidade abertas, incentivadas, aqui e ali, pelas alianças
ocasionais entre os revolucionários nacionalistas e os monarcas locais
destronados pelo império napoleônico.
Pelo fim do século XIX, as
revoluções liberais tinham acabado, os regimes liberais entravam na fase de
modernização pacífica. O liberalismo triunfante podia agora reabsorver valores
religiosos e morais sobreviventes do antigo regime, tornados inofensivos pela
supressão de suas bases sociais e econômicas. Ele já não se incomodava de
personificar a "direita" aos olhos das duas concorrentes
revolucionárias, rebatizadas "comunismo soviético" e
"nazifascismo". Assim começou a luta de morte entre a revolução
socialista e a revolução nacionalista, cada uma acusando a outra de
cumplicidade com a "reação" liberal.
Essa é a história. O leitor
está livre para tentar orientar-se entre os dados, sempre complexos e ambíguos,
da realidade histórica, ou para optar pelas simplificações mutiladoras. A
primeira opção fará dele um chato, um perverso, um autoritário, sempre a exigir
que as opiniões, essas esvoaçantes criaturas da liberdade humana, sejam atadas
com correntes de chumbo ao chão cinzento dos fatos. A segunda opção terá a
vantagem de torná-lo uma pessoa simpática e comunicativa, bem aceita como igual
na comunidade tagarela e saltitante dos símios acadêmicos.
Titulo e Texto: Olavo de Carvalho
Colaboração: Rivadávia Rosa
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