segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Macroscópio – O mais emocionante outubro da história política do Brasil

José Manuel Fernandes
Tomei este título de empréstimo à Veja, a grande revista brasileira: O mais emocionante outubro da história política do Brasil. Porque é exactamente isso que vai ser, é assim que será vivida a segunda volta destas presidenciais, o tira-teimas marcado para 26 de outubro. Há dois meses a Presidente Dilma Rousseff ia ser facilmente reeleita. Há um mês muitos apostavam numa surpresa e no apelo, aparentemente irresistível, de Marina Silva. Hoje sabemos que a segunda volta das eleições presidenciais se disputará entre Dilma e o candidato do PSDB, Aécio Neves (veja como o Observador seguiu a noite eleitoral ao minuto).

A reviravolta e, sobretudo, a votação mais elevada do que o esperado em Aécio, e mais baixa do que se antecipava em Dilma, tornam a segunda volta uma corrida muito mais aberta e imprevisível do que se poderia imaginar ainda a semana passada, onde se chegou a falar de uma vitória da "presidenta" logo à primeira. Depois da surpresa, tentámos, aqui no Observador, sintetizar os desafios para Dilma e Aécio. Que passam sobretudo por São Paulo, o maior círculo eleitoral, pela forma como o tema da corrupção surgir na campanha e, por fim, pela incógnita sobre o eventual apelo ao voto de Marina Silva, um apelo cujo sentido é desconhecido.

O nosso colunista Manuel Villaverde Cabral, que conhece bem a situação no Brasil, ficou surpreendido com o engano dos institutos de opinião e, na sua crónica A espiral do silêncio, escreve:
A «espiral do silêncio» funcionou não uma mas duas vezes, sempre sem as empresas de sondagem se aperceberem das causas da amplitude na subida e depois na descida de Marina. Primeiro, são milhões os eleitores que aderem a um movimento de protesto misturado de esperança; depois, quando vem ao de cima que a candidata surpresa não tem programa nem equipa, nem tão pouco bases de governação futura, para ser presidente, o refluxo fez-se todo contra a candidata do PT e, automaticamente, a favor de Aécio.

Recomendo também, ainda aqui no Observador, a análise de outro estudioso do Brasil, Andrés Malamud, investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, que ainda antes do voto, prevenia que “quem quer que ganhe as eleições, tem pela frente uma governação complicada e pouca margem de manobra para modificar o status quo”.
Passando à análise dos resultados, começo pelo embaixador Francisco Seixas da Costa, cuja crónica O Brasil não é para principiantes já aqui referi. É que ele já escreveu uma primeira nota no seu blogue, duas ou três coisas. É um texto onde defende a ideia dos dois Brasis:

De um lado, estará o "establishment" de um PT fortemente ancorado nas camadas mais pobres, em alguma intelectualidade urbana e em certos setores que lucraram com estes quase 12 anos de "petismo", que se vai tentar agarrar ao poder a todo o custo. Do outro, estará um candidato que quererá federar o descontentamento anti-PT, que foi visível nas grandes manifestações populares de há já alguns meses, mas que acarreta consigo o estigma de poder ser visto como o representante do "Brasil rico".

E a imprensa brasileira? Começo por um dos mais influentes colunistas, Reinaldo Azevedo, e pelo seu blogue na Veja. Impiedoso com os institutos de sondagens – “Institutos erraram feio, sim, e não dá para dourar a pílula. Como o povo não erra, ainda que vote errado, o que se tem, no mínimo, é um problema de método” –, Reinaldo defende que a eleição será, no fundo, disputada entre progressistas e reacionários:

Já deu para sentir o que vem por aí. Aécio, com o possível apoio de Marina, tentará fazer uma disputa sobre o futuro do país, e Dilma insistirá em travar uma batalha de versões sobre o passado. O eleitor terá de optar entre os discursos progressista e reacionário.

De facto, como se explica nesta análise do Estado de São Paulo, o prestigiado Estadão, o “resultado da urna expõe País polarizado”. Isto porque, não tendo havido a surpresa Marina, esta será a sexta disputa presidencial seguida em que PT e PSDB vão ao 2º turno, algo que vê como “uma polarização que já pode ser descrita como símbolo de uma época”. Vejamos como é analisada essa polarização:

À parte diferenças políticas e pessoais, dois grandes projetos nacionais compõem o pano de fundo dessa luta eleitoral. Do lado tucano, o Plano Real embalou o partido nos anos 1990 e lhe garantiu os dois mandatos de FHC. A virada petista veio com Lula, que rompeu esse ciclo em 2002 e, com o Bolsa Família e outros programas sociais, garantiu o predomínio do PT desde então. O plano tucano organizou a economia e abriu caminho para o crescimento. O petista valeu-se dessa arrumação e dedicou-se à tarefa prioritária de reduzir a pobreza. Para a maioria dos estudiosos, os dois projetos são complementares – mas eles se transformaram em armas de combate, e a do PT mostrou-se mais contundente. Num balanço de 2010, o cientista político Marcos Nobre afirmou que o sucesso dos programas sociais permitiu a Lula “ampliar de tal maneira o centro político que a polarização praticamente desapareceu”. (…)  As realidades de 2014 são bem outras, mas o cenário da campanha sugere que a briga deste 2º turno será parecida.

Para estarmos perante este cenário foi necessário que o candidato do PSDB conseguisse recuperar no último mês de campanha – "Há um mês, meu telefone quase não tocava mais. Agora estou andando com três celulares", disse ele a semana passada a um repórter da Folha de São Paulo. A BBC Brasil tem uma boa reportagem sobre a “virada”: “Como Aécio virou o jogo e chegou ao 2º turno”. Reparem nesta nota curiosa e significativa, que explica muito e tem evidentes paralelos com alguns episódios portugueses:

O desempenho de Marina no último debate – realizado na quinta-feira pela TV Globo – pode ter reforçado o cenário de enfraquecimento de Marina e fortalecimento de Aécio. Para o especialista em expressão corporal Paulo Sérgio de Camargo (…), no debate Aécio "falou com convicção da primeira à última fala. Falou com muita clareza, com voz incisiva, não vacilou em momento algum." Já Marina "estava cansada. Acho que a campanha tirou muita energia dela, e nesse último debate ela sentiu esse peso", disse o Camargo.

Termino com uma referência ao editorial do Wall Street Journal, “Brazil Gets a Choice”. O jornal económico faz uma avaliação muito crítica do mandato de Dilma – “Ms. Rousseff has governed sharply to the left, increasing government spending that has taken the budget deficit to 4% of GDP, according to Goldman Sachs, and that’s before off-budget liabilities that are anyone’s guess. The state-owned oil company Petrobras is mired in scandal. Brazil’s currency has lost a third of its value against the dollar” – e manifesta alguma esperança nas possibilidades de Aécio Neves:
He is the former governor of the state of Minas Gerais, where he earned a reputation as a pro-business manager who reformed the bureaucracy to make it friendlier to consumers and business. He is campaigning to simplify Brazil’s byzantine tax code, end price controls on gasoline that are bankrupting Petrobras, and pare back subsidies.”

Vão ser três semanas muito interessantes, daqui até dia 26. Entretanto, boas leituras. 
Título e Texto: José Manuel Fernandes, Observador, 6-10-2014

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