Valdemar Habitzreuter
Era uma vez um dedicado
velhinho viúvo a fazer suas tarefas diárias sempre acompanhado de seu fiel cão
Fellow. Por onde caminhasse lá estava Fellow feliz ao seu lado; era protetor e
ficava atento a qualquer sinal de seu dono para uma eventual situação de perigo,
ou mesmo apenas entreolhando-se, demonstrando afabilidade mútua.
A vida transcorria
rotineiramente satisfatória, mas um dia o velhinho viúvo não acordou mais na
hora costumeira. Fellow deitava-se à noite num canto do cômodo numa posição
estratégica donde podia observar seu dono. A qualquer movimento na cama Fellow
abria seus olhos brilhantes e emitia seu grunhido característico, sinalizando
de que estava aí. E quando o velhinho acordava, lá ia ele correndo e o saudava
balançando a cauda.
Naquela manhã o velhinho não
dava sinal de acordar. Depois de certo tempo, Fellow aproximou-se da cama
emitindo grunhidos, lambendo e tocando seu dono com o focinho, mas nada de ele
acordar. Deitou-se ao seu lado e ficou assim por um tempo considerável como que
sentindo que algo acontecera a seu dono; começou a ficar irrequieto e saltou
então da cama e foi à vizinhança emitindo latidos estranhos e chamativos até
que alguém fosse ver o que se passava...
Temos aí um dado interessante
sobre a irracionalidade canina que nada sabe sobre a morte. O cão sente
simplesmente a ausência de seu dono e fica no aguardo de sua volta. O pesar e a
tristeza que sente não é pela morte, mas pela espera de sua volta. Quem já não
assistiu a algum filme em que cães, marcadamente afetados de pesar, faziam
vigílias diárias nos túmulos de seus donos?... Esperam sua volta.
Pois é, entre nós humanos
também existe este profundo pesar quando perdemos um ente querido. Mas a
racionalidade humana entende a morte como sem volta da pessoa que se foi.
Assim, a morte do juiz Teori Zawascki foi alvo de grande pesar não só dos
familiares próximos, mas de grande parcela da população pelo que representava
junto ao STF como relator das delações da Lava-jato.
Não mais é possível contar
integralmente com o trabalho detalhado a que o juiz se dedicou há dois anos
para relatar os meandros da criminalidade que a Lava-jato descobriu, envolvendo
inúmeros políticos. O consequente atraso trará agora muita reviravolta nas investigações
que postergará condenações ou mesmo deixará impune muitos políticos e
empreiteiros criminosos. E isso é de grande regozijo desse pessoal. Deles não
se espera nenhum sentimento de pesar, mas de regozijo; inclusive aventou-se a
possibilidade de atentado (hipótese improcedente, ao meu ver) ao juiz, já que
muitos tinham certeza de suas condenações.
Portanto, a racionalidade
tanto se presta a consternar-se de pesar por alguém que morreu como também
encher-se de regozijo. Muitos políticos criminosos devem, sem dúvida, estar
festejando a morte do juiz, embora a maioria tenha externado seus pêsames, mas
no fundo nada mais que pura hipocrisia. Qual o sentido da nota de pesar do Lula
que definiu outrora o STF um antro de juízes acovardados? Ou de Renan qualificando
determinado juiz de “juizeco”... A irracionalidade canina é superior à
racionalidade desses hipócritas criminosos em se tratando de sentimentos de
pesar...
Título e Texto: Valdemar Habitzreuter, 22-1-2017
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